O relato a seguir é de um filho em desespero com a situação de saúde do seu pai, acometido pela Covid-19 em sua forma mais grave, a ponto de precisar de intubação, e que amarga, no fundo da alma, o sentimento indesconfiável de impotência diante da triste constatação que o sistema de saúde já está em colapso e isso deve custar inúmeras vidas daqui em diante.
O que vivi ontem e estou a vivenciar hoje é a triste realidade de um sistema de saúde que já sucumbia em meio a escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) – muito antes da pandemia, e que tragicamente experimenta o seu pior momento, sem dúvidas. Uma verdadeira combustão que reúne, de uma só vez, problemas históricos de gestão e uma pandemia que está longe de um fim e que tem feito gestores baterem cabeça em estratégias pouco ou nada producentes.
O relato que ora faço, reconheço, não é uma realidade de agora, portanto, mas de muito tempo. Quem precisa ou precisou do sistema público de saúde sabe perfeitamente o que estou falando. No curso do tempo e do espaço, muitos outros serão feitos ao longo dessa pandemia e continuarão a render novas histórias depois dela, porque essa é a trajetória de um Brasil real e cada vez mais inóspito aos seus nacionais que precisam e dependem de uma luz diante de tanta escuridão.
Após perder minha mãe, em 2019, em virtude de problemas de saúde relacionados a um triste acidente que quase lhe tirara a vida, em 2008, hoje, dia 03 de março, deparo-me inerte diante da mais eloquente sensação de que posso perder meu pai.
Após ser diagnosticado com Covid-19, no último sábado, 27, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Valentina Figueiredo, onde reside, meu pai, Ivan Galdino de Oliveira, 68 anos, passou a fazer em casa, por recomendação do próprio médico que o atendeu, tratamento com uma série de medicamentos, a maioria de conhecimento do grande público. Viúvo, mas sendo monitorado de perto por mim e minha irmã, infelizmente, evoluiu para a forma mais grave da doença, a ponto de ter que ser socorrido por uma ambulância do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), ontem à noite, que é quando começa a nossa peregrinação.
Depois dos primeiros atendimentos, os profissionais verificaram, já na ocorrência, a necessidade de colocá-lo em ventilação mecânica, em virtude da saturação está em 75%, muito abaixo do padrão aceitável. Feito com sucesso o procedimento, a ambulância teve que esperar quase 1 hora para alguma sinalização do Sistema de Regulação de Leitos (Sisreg), gerido pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) para centralizar e coordenar o direcionamento dos leitos de UTI em pacientes de todo o estado.
O médico da unidade, certamente cansado de esperar e sem qualquer retorno, resolve levar meu pai, devidamente intubado, para UPA Valentina, que não o aceitou sob o argumento de que não teria mais vagas para aquele perfil de paciente. Sem qualquer comunicação à família, que lá estava para proceder as informações gerais visando a internação, a ambulância sai e, de forma estranha, retorna à base do SAMU, onde permaneceu por quase 1 hora, novamente aguardando uma sinalização do referido órgão regulador.
Passado todo esse tempo, em meio a tanta angústia, conseguimos contato, após inúmeras tentativas, com o médico coordenador do serviço (Dr, Tiago), que informou o próximo destino, a UPA de Cruz das Armas. Lá chegando, instantes depois do ingresso do meu pai na unidade, recebemos a informação da médica plantonista que detalhou o quadro e revelou que procedimentos de evolução clínica seriam realizados para, só depois, promover a transferência para um leito de UTI no Hospital Santa Isabel, cujos profissionais, colegas da minha esposa, já esperavam por ele.
Contudo, infelizmente, isso não ocorreu. Infelizmente, meu pai permanece intubado numa UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO no aguardo de um leito de UTI para tratar do seu grave problema de saúde. E, hoje, 03 de março, tomo a liberdade de ocupar esse espaço para escrever o presente relato que mostra o estágio dramático da pandemia e os problemas do nosso sistema de saúde, não apenas como apelo às autoridades, mas como forma de chamar a atenção da sociedade para a situação periclitante pela qual estamos passando e que deve ganhar contornos ainda mais trágicos nos próximos dias.
Em meio a lágrimas e incertezas, volto os meus olhos para Deus, nossa única esperança, certo de que Ele não nos faltará como nunca faltou.
* Ivandro Oliveira é jornalista
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