Mais do que uma grande cicatriz no joelho direito, fruto de duas cirurgias em cinco meses, Marquinho deixou o Fluminense com uma marca que levará tempo a desaparecer: a decepção. Ao ser dispensado por telefone, o meia se sentiu traído, especialmente pelo presidente Pedro Abad.
Tratado como lixo, nas palavras usadas em entrevista ao GloboEsporte.com. A última parte da conversa, realizada na quinta-feira, dia 1º de março, encerrou um período de silêncio.
– Sou um cara explosivo, mas fiquei sem reação. Decepcionado. Depois de tudo o que fiz pelo clube, não só naquele ano, mas pela história. Fui tratado como lixo. Foi uma facada nas costas, uma traição – disse ao lembrar a ligação de Marcelo Teixeira em 28 de dezembro do ano passado.
A partir do aviso, o meia perdeu a esperança de retribuir em campo o salto alcançado na carreira após a primeira passagem pelo Flu. E de mostrar que poderia ajudar o time, afinal, desde o retorno, em julho de 2016, as dores no joelho o impediram de ter sequência.
Este desejo foi revelado na conversa inicial com a reportagem, em 20 de dezembro e não publicada justamente pelo Flu o ter liberado – com outros sete atletas. Entre os dois momentos, a família virou o maior apoio. Até porque ganhou nova integrante: Laura, a primeira filha do jogador.
Nas quase três horas de bate-papo, Marquinho deu a sua versão dos fatos. Contou que os experientes do grupo de liberados, como ele, Henrique e Diego Cavalieri, pagavam contas de funcionários com salários atrasados. E também os detalhes de uma reunião convocada por Abad para planejar a temporada que se aproximava.
Como foi informado da decisão do Flu de te liberar da apresentação em janeiro?
Exatamente um dia antes de eu me machucar, teve uma reunião. Eu me machuquei no dia 19 de novembro de 2017 (pela segunda vez – a primeira cirurgia foi em julho). Então, no dia 18, eu, Gum, Henrique Dourado, Diego Cavalieri, Lucas (Henrique não estava pois tinha um compromisso)… o pessoal mais experiente se reuniu com o presidente Pedro Abad, o Marcelo Teixeira (diretor da base)e Alexandre Torres (gerente de futebol), que ainda era funcionário do clube.
Eles perguntaram como a gente achava que deveria ser o planejamento para 2018. O que deveria mudar. A gente expôs o que achava e as nossas indignações com o clube. Beleza. Lembro do presidente falar “ah, foi a melhor reunião que a gente já fez” e “como foi produtivo”. E aí, um mês depois, no dia 28, o Marcelo Teixeira me liga dizendo que não era para eu me reapresentar e que o Fluminense iria rescindir o meu contrato. Não só comigo, mas com o Henrique, o Diego Cavalieri e mais alguns atletas.
Foi uma surpresa, imagino.
Lógico que foi um baque muito forte. Eu estava debilitado. Lembro que disse ao Marcelo que era pertinente a ligação dele, no dia 28 de dezembro, à tarde, eu com a minha família tentando passar férias, com a perna daquele jeito. E ele me ligando… perguntei algumas coisas a ele, que não soube me responder. Então, foi uma coisa sem pé e nem cabeça. Todo mundo sabia o assunto, mas ninguém sabia explicar os motivos e o que aconteceria dali para frente.
Isso me deixou enfurecido. E muito triste. Como eu estava com a minha família toda… um dos meus cunhados me chamou. E disse que, antes da ligação, havia saído matéria da resicisão de contrato. Falei que não acreditava. A matéria no site do Fluminense, a nota oficial, saiu antes de eu receber a ligação.
E qual foi a reação?
Na hora, telefonei ao Cavalieri. Ele tinha me dito que o Marcelo Teixeira também tinha ligado a ele. Ao Henrique, foi o Marcelo Penha (advogado). Foi uma falta de profissionalismo absurda.
A gente segurou muita coisa nos bastidores para esses caras. O presidente e o Marcelo Teixeira chamavam a gente, pediam para não divulgar nada pois iria denegrir a imagem do clube. Foi tanta coisa. E chega no final do ano e fazem uma sacanagem dessas.
Sacanagem por qual motivo?
É difícil apontar culpados, mas poxa. Não tem como. Foi inaceitável. Eu estava machucado. Se chegassem para mim e falassem que eu estava fora do projeto do ano seguinte, não importa o motivo, mas que iria me recuperar e depois fazer a rescisão, tudo bem. Não sou tricolor fanático, mas eu tenho carinho enorme pelo Fluminense. Eles não tiveram o mínimo de respeito.
A reunião de novembro intensificou esse sentimento? O que foi tratado nela?
Eles pediram ajuda para montar o projeto de 2018. A fazer um Fluminense melhor. Como foi depois do jogo com o Corinthians (ficou no banco, o último que foi relacionado antes da lesão), a reunião foi sábado. A gente tinha jogo na segunda-feira contra a Ponte Preta. E eu machuquei no domingo.
Eles falaram sobre várias coisas, inclusive sobre os salários que estavam infinitamente atrasados. Ninguém aguentava mais. Esses jogadores da reunião… a gente ajudava as pessoas. Como o clube não pagava os salários, a gente pagava conta dos funcionários, como luz, telefone… Alguns não tinham mais dinheiro para ir trabalhar.
As pessoas vinham na gente e pediam. Pediam ajuda por favor. Eram as pessoas mais atingidas. A gente fazia isso pelo bem das pessoas e pelo bem do clube. Por isso, o baque do comunicado foi muito maior. Para os jogadores, o máximo foi cinco meses de imagem e dois de carteira. Para os funcionários, dois meses já impedia de ter condição de ir trabalhar.
Nunca, então, foi dito sobre a possibilidade de rescindir?
Não, nunca. Ninguém chamou o meu representante (Marcio Rivelino) com antecedência para nada. Inclusive o Abel nos procurou depois e disse que não sabia de nada, que não tinha pedido nada.
E antes da ligação… haviam te dito sobre se reapresentar?
Eu ia ao clube todo o dia. Eu operei dia 23 de novembro. Voltei dia 10 de dezembro. Desde então, tratei no clube, normalmente. Antes das férias, eles tinham pedido o passaporte para ver se estava tudo certo, se tinha o visto em dia para poder viajar aos Estados Unidos (para a pré-temporada). Meu último dia no clube foi 26 ou 27 de dezembro.
Após a ligação, o que aconteceu?
Todo mundo sumiu. Era para ter reunião no começo do ano, mas aí o clube foi para os Estados Unidos. Depois de um tempo, procuraram meu representante. Aí foi um outro tratamento. Quem conversou pelo clube foi o Ronaldo Barcelos (vice-presidente comercial), um cara muito educado e disposto a resolver o problema. Ele demonstrou que queria fazer um acordo legal. Não chegou a pedir desculpas pois não falava pelo clube, mas ele mesmo achou que foi conduzido de forma errada. Não gosto de falar por terceiros, mas ele passou isso para a gente.
Globoesporte
Teve outra coisa que me entristeceu. Nunca trabalhei com o Paulo Autuori (diretor executivo esportivo). Mas sempre ouvi falar muito bem dele. Na minha visão, ele chegou acreditando nas pessoas erradas. Eu vi uma entrevista dele, na qual ele afirma que todos os atletas tinham sido avisados antes da nota oficial. E isso não é verdade, não aconteceu. Isso mostra como é o bastidor do Fluminense. Alguém deve ter falado, e o Paulo acreditou. Ele colocou o nome dele em jogo. Um dia vou encontrar com ele e falar o que aconteceu.
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