Com drástica queda na demanda de usuários do serviço de transporte público da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em função da pandemia, agravou-se o quadro econômico das empresas, que já vinham sofrendo com a diminuição de passageiros nos últimos anos. Em abril de 2020, a redução de passageiros chegou a 80% e hoje se mantém em 60%. O cenário é grave, pois o custeio desse transporte é mantido apenas pela tarifa do passageiro pagante, ou seja, se a demanda está reduzida, não há receita suficiente para cobrir todas as despesas operacionais.
Atualmente, para manter o mínimo de oferta de serviço à população, as empresas só conseguem honrar pagamentos de salários, dos custos com oléo diesel e de manutenção (peças). Os empresários não estão retirando nem mesmo o pró-labore . Nesse contexto, é importante destacar que o diesel já subiu 22,25% desde janeiro deste ano e que os gastos com combustível correspondem a cerca de 25% dos custos operacionais das empresas. Além da redução da demanda, as empresas não receberam nenhum tipo de subsídio para garantir o funcionamento do sistema, que hoje acumula um prejuízo que ultrapassa R$ 250 milhões de reais.
Além disso, a adoção de medidas necessárias à prevenção do Coronavírus, também elevou os gastos com insumos. As empresas passaram a comprar uma quantidade maior de produtos para limpeza e desinfecção, além de álcool em gel e máscaras para seus colaboradores. Também há gastos com a produção de materiais informativos para campanhas educativas e adesivos para marcar o distanciamento, que são fixados nas estações e terminais.
Solução definitiva
Com prejuízo de R$ 14,2 bilhões, acumulado desde o início da pandemia, o setor de transporte público trabalha na criação de um novo marco legal para esse serviço essencial, em busca de soluções definitivas para reduzir a tarifa, aumentar a qualidade e produtividade, e garantir segurança jurídica aos contratos de concessão.
“Trata-se de uma reforma estrutural profunda, de longo prazo”, adianta Otávio Cunha (foto), presidente-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), e antecipa que a proposta deve ser apresentada em breve no Congresso Nacional. “O transporte público urbano enfrenta grave crise em todo o país, assim como na região metropolitana de Belo Horizonte, mas a reestruturação desse serviço vai trazer soluções para problemas históricos e recorrentes do setor”, afirma o presidente.
De acordo com Otávio Cunha, o marco legal é uma aposta em solução definitiva para a sustentabilidade do transporte público urbano. “É uma proposta multimodal, para ônibus urbano, metrô e trem, que representa uma ruptura com relação ao modelo atual e oferece transparência, tarifa módica, serviço de qualidade para o passageiro e segurança jurídica para quem opera”, esclarece.
O programa de reestruturação do transporte público foi construído pela NTU, em conjunto com diversos agentes do setor e consiste de três pilares – qualidade e produtividade, financiamento, e regulação e contratos. Segundo Otávio Cunha, o setor quer ampliar o debate sobre a proposta o máximo possível. “Temos que construir um entendimento mais amplo para que esse projeto possa tramitar no Congresso.
Além disso, queremos que esteja alinhado com o objetivo maior de oferecer transporte de qualidade para o cidadão. Nesse sentido, precisamos sensibilizar a sociedade de maneira geral”, afirma o presidente da NTU.
Reestruturação
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana já declararam apoio ao programa de reestruturação do transporte público, que está aberto a contribuições de outras entidades para chegar amadurecido ao Congresso Nacional. No primeiro momento, o setor pretende aprovar o arcabouço legal do programa que deve se transformar em lei federal. A partir daí, será necessário promover a readequação das legislações municipais e estaduais que regulamentam essa atividade para que sejam ajustadas às novas regras.
No pilar de qualidade e produtividade, o programa propõe maior participação do Governo Federal e compromisso com a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Na proposta, o setor reservou ao poder público federal várias responsabilidades no papel de indutor e guardião desse política de mobilidade. Entre outas questões, essa participação implica na gestão de um sistema nacional de informações sobre o setor para permitir o exercício da política.
Ainda nesse pilar a proposta inclui mais comunicação e maior transparência do setor, que há décadas sofre com a imagem negativa que a sociedade tem desse serviço. O setor propõe também que o Governo Federal defina parâmetros nacionais de eficiência e qualidade como referência para estados e munícípios; dessa forma, os sistemas poderão avançar como um todo.
O segundo pilar, de financiamento, foi dividido entre custeio e investimentos. O ponto central da proposta de custeio é a diferenciação entre a tarifa pública e a tarifa de remuneração do operador, que resolveria o principal entrave para a oferta de um serviço de qualidade. Na maior parte das cidades, o transporte público é custeado unicamente pela tarifa paga pelo passageiro, que arca sozinho com os altos custos do serviço. De acordo com a NTU, um ponto fundamental para equilibrar as tarifas pública e de remuneração é atacar a questão das gratuidades, que pesam em torno de 20% na média nacional dos custos dos sistemas.
Um tratamento tributário diferenciado, que o setor já pleiteia na Reforma Tributária, é outro ponto do pilar de finaciamento. Segundo a NTU, o tratamento diferenciado pode representar 15% na redução de custos dos serviços. Para estruturar o custeio o setor propõe a criação de um fundo nacional do transporte público urbano que seria interfederativo e reuniria aportes das três esferas de governo, além de fontes extratarifárias de recursos, de forma que esses aportes possam fluir dentro de uma estrutura que chegue aos serviços de transporte.
A área dos investimentos foi dividida em duas grandes frentes, sendo a primeira o reforço e a continuidade das linhas de financiamento oficiais existentes hoje no BNDES (Finame), assim como o Pró-Transporte, operado com recursos do FGTS pela CEF, para investimentos em veículos e tecnologia. Paralelamente, ampliar os incentivos na priorização do transporte público coletivo e no sistema viário, por meio de investimentos em infraestrutura, principalmente para os serviços de ônibus. Em contrapartida, o setor privado poderá investir em parcerias público-privadas (PPPs), nas quais já existem experiências bem-sucedidas.
O terceiro e último pilar do novo marco legal do transporte público recai sobre a regulação e os contratos de concessão. Aqui, o setor propõe alterações na Lei de Mobilidade Urbana, com a criação de um capítulo especifico sobre transporte público coletivo que traga avanços nessa área. A ideia é acompanhar o que foi feito no marco do saneamento, recentemente aprovado pelo Congresso, e implantar referências nacionais sobre regulação e contratos para transporte público.
Um ponto central dessa parte de regulação dos contratos é um novo modelo de remuneração dos operadores, baseado nos custos de produção atrelados à parâmetros de qualidade e produtividade. O setor acredita que hoje, com a evolução tecnológica, os gestores podem ter todos os meios necessários para que as empresas possam ser remuneradas pelo custo com um controle eficiente por parte do poder público. “Esse aspecto é fundamental para introduzirmos a questão da transparência e do controle público nos contratos, e assim poderemos realmente dar uma resposta à sociedade e contribuir para chegarmos a um novo patamar do transporte público no Brasil”, afirma Otávio Cunha.
Números da crise
Nos últimos 14 meses, a crise do transporte público urbano afetou o desempenho do serviço essencial em todo o Brasil. Segundo o monitoramento realizado pela NTU, nesse período, o impacto da pandemia abalou severamente a prestação dos serviços. Foram 25 operadoras e 1 consórcio operacional que interromperam as atividades. Além disso, 76.757 trabalhadores foram demitidos.
Os dados reunidos pela Associação, no período, revelam ainda que 88 sistemas de transporte público por ônibus em todo o país foram atingidos por 238 movimentos grevistas, protestos e/ou manifestações, que ocasionaram a interrupção da oferta de serviços em várias cidades, na maioria dos casos, provocadas pela falta de caixa nas empresas para honrar salários e benefícios aos colaboradores, diante do desequilíbrio econômico-financeiro causado pela drástica queda na demanda de passageiros.
Quanto à suspensão da prestação do serviço, a pandemia também deixou um grave saldo negativo. No período avaliado, 13 operadoras e 1 consórcio suspenderam as atividades; duas operadoras, 1 consórcio operacional e 1 sistema BRT (do Rio de Janeiro) sofreram intervenção na operação; cinco operadoras encerraram as atividades; e quatro tiveram seus contratos suspensos.
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