Áudios inéditos mostram que o ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que teve acordo de delação premiada homologado pela Justiça nesta quarta-feira (25), manteve conversas com políticos do PMDB na qual especulam sobre o até então possível afastamento da presidente Dilma Rousseff.
Em dezembro do ano passado, Machado foi alvo de buscas na Operação Lava Jato. Ele confessou aos investigadores que, depois disso, teve medo de se tornar alvo de delatores e revelou que tinha medo de ser preso.
A essa altura, o Supremo Tribunal Federal já havia autorizado prisões de pessoas condenadas em segunda instância, e Machado decidiu gravar conversas com políticos importantes.
Machado começou, então, a marcar encontros – um deles com o ex-presidente da República e ex-senador José Sarney (PMDB-AP), que estava em recuperação depois de ter sofrido uma queda.
A Sarney, Machado afirmou que a única solução para a crise política era Dilma sair do poder. Os dois também falaram sobre a possível saída do atual presidente em exercício Michel Temer.
No diálogo, eles chegam a especular o nome que poderia vencer eleições presidenciais e criticam as nomeações feitas pelo governo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As críticas também são feitas ao juiz Sérgio Moro, responsável pela operação Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.
As gravações contêm, ainda, conversa de Machado com o senador Romero Jucá(PMDB-RR), na qual o parlamentar fala sobre o posicionamento do PSDB em relação ao processo de impeachment de Dilma.
Em um trecho gravado entre fevereiro e março, os dois especulam sobre política e dizem que Dilma Rousseff vai acabar caindo, especialmente depois de o seu marqueteiroJoão Santana ter sido preso. Eles dizem acreditar que Michel Temer também.
MACHADO – Estamos num momento, numa quadra, presidente, complicadíssima.
SARNEY – Eu não vejo solução nenhuma.
MACHADO – Só tem uma solução, presidente: é ela sair.
SARNEY – Ah! Sim.
MACHADO – A única solução que existe. E ela vai sair por bem ou por mal porque economia nenhuma não vai aguentar.
SARNEY –- Não. Ela vai sair de qualquer jeito.
MACHADO – Qualquer jeito.
SARNEY – Agora não tem jeito. Depois desse negócio do Santana não tem jeito.
MACHADO – Vai sair do Michel, o que é o pior.
SARNEY – Michel vai sair também.
A conversa continua com especulações sobre quem venceria uma eventual eleição. Eles dizem que no final quem vai assumir a Presidência será o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mostrando que os dois não tinham ideia do que estava prestes a ocorrer na política.
A conversa foi em março. Cunha teve o afastamento determinado pelo Supremo Tribunal Federal antes mesmo de Dilma ser afastada com o processo de impeachment.
MACHADO – Saindo o Michel, e aí como é que fica? Quem assume?
SARNEY – […] Eleição. E vai ter muito, umJoaquim Barbosa desses da vida.
MACHADO – Ou um Moro… O Aécio pensa que vai ser ele, não vai ser não.
SARNEY – Não, não vai ser ele, de jeito nenhum!
MACHADO – E quem que assume a presidência, se não tem ninguém?
SARNEY – O Eduardo Cunha.
MACHADO – E ele não vai abrir mão de assumir, não.
SARNEY –- Não… No Supremo não tem . Não tem ninguém que tenha competência pra tirá-lo. Só se cassarem o mandato dele. Fora daí, não tem. Como é que o Supremo vai tirar o presidente da Casa?
Possíveis eleições
Numa conversa entre Machado e o senador Romero Jucá (PMDB-RR), o agora ex-ministro do Planejamento relata como teria convencido o PSDB a aderir ao impeachment.
Até então, o partido era favorável a esperar decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que julga as irregularidades nas contas de campanha de Dilma e Temer.
Se a chapa for condenada, haverá novas eleições. Na época, esta era vista pelos tucanos como a melhor saída para a crise. Jucá disse que alertou que ninguém conseguiria ganhar eleição defendendo reformas necessárias, mas impopulares, para sair da crise econômica.
JUCÁ – Falar com o Tasso, na casa do Tasso. Eunício, o Tasso, o Aécio, o Serra, o Aloysio, o Cássio, o Ricardo Ferraço, que agora virou psdbista histórico. Aí, conversando lá, que é que a gente combinou? Nós temos que estar junto para dar uma saída pro Brasil (inaudível). E, se não estiver, eu disse lá, todo mundo, todos os políticos (inaudível), tão f***, entendeu? Porque (inaudível) disse: ‘Não, TSE, se cassar…’. Eu disse: ‘Aécio, deixa eu te falar uma coisa: se cassar e tiver outra eleição, nem Serra, nenhum político tradicional ganha essa eleição, não. (inaudível) Lula, Joaquim Barbosa… (inaudível) Porque na hora dos debates, vão perguntar: ‘Você vai fazer reforma da previdência?’ O que que que tu vai responder? Que vou! Tu acha que ganha eleição dizendo que vai reduzir aposentadoria das pessoas? Quem vai ganhar é quem fizer maior bravata. E depois, não governa, porque a bravata, vai ficar refém da bravata, nunca vai ter base partidária…’ (inaudível) Esqueça!
Em outro trecho, Sarney e Machado reclamam que Dilma insiste em permanecer no governo diante da crise política e econômica. Sarney diz que não só empresários e políticos devem pagar pelos malfeitos na Petrobras, mas o governo também.
SARNEY – Ela não sai.(…) Resiste… Diz que até a última bala.
MACHADO – Não tem rabo, não tem nada.
SARNEY – Acha que não tem rabo. Tudo isso foi … é o governo, meu Deus! Esse negócio da Petrobras. São os empresários que vão pagar, os políticos! E o governo que fez isso tudo?
MACHADO – Acabou o ‘Lula presidente’.
SARNEY – O Lula acabou. O Lula, coitado, ele está numa depressão tão grande.
MACHADO – O Lula. E não houve nenhuma solidariedade da parte dela.
Eles também criticam as nomeações feitas pelo governo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o juiz Sérgio Moro, responsável pela operação Lava Jato.
SARNEY – E com esse Moro perseguindo por besteira.
MACHADO – Presidente, esse homem tomou conta do Brasil. Inclusive, o Supremo fez porque é pedido dele. Como é que o Toffolil e o Gilmar fazerm uma p*** dessa? Se os dois tivessem votado contra, não dava. Nomeou uns ministro de m*** com aquele modelo.
SARNEY – Todos.
A conversa continua e eles reclamam que ninguém se manifesta contra as decisões de Sérgio Moro, criticam as decisões da Justiça que estão combatendo a corrupção e classificam a situação como uma “ditadura da Justiça”.
MACHADO – Não teve um jurista que se manifestasse. E a mídia tá parcial assim. Eu nunca vi uma coisa tão parcial. Gente, eu vivi a revolução […]. Não tinha esse terror que tem hoje, não. A ditatura da toga tá f***.
SARNEY – A ditadura da Justiça tá implantada, é a pior de todas!
MACHADO – E eles vão querer tomar o poder. Pra poder acabar o trabalho.
Na conversa, Machado demonstra o grau de dissimulação a que estava disposto para conseguir que sua delação fosse aceita pelos procuradores.
Ele, que estava grampeando a propria conversa com Sarney, pede que o ex-presidente marque um encontro com Renan em um lugar livre de grampos.
MACHADO – Faz uma ponte que eu possa, que é melhor porque tá tudo grampeado. Tudo, essas coisas. Isso é ruim.
Preocupação com depoimentos
As gravações feitas por Sérgio Machado com o ex-presidente José Sarney, com o senador Romero Jucá e com o presidente do Senado Renan Calheiros conhecidas até agora são dominadas por um assunto: as tentativas de barrar a operação Lava Jato e obstruir a Justiça.
Segundo investigadores, no entanto, o tema principal da delação premiada é outro: os desvios de dinheiro da Transpetro para políticos ao longo de mais de dez anos. Isto será conhecido em detalhe à medida que forem divulgados os depoimentos de Sérgio Machado, quando ficará claro porque tanta preocupação com o que Machado tem a dizer.
Versões dos envolvidos
A assessoria do ex-presidente José Sarney disse que, enquanto ele não tiver acesso às gravações, não vai poder falar especificamente de cada assunto.
Em nota à imprensa, o ex-presidente disse que é amigo de Sérgio Machado há muitos anos, que as conversas foram marcadas pela solidariedade, e que usou palavras que pudessem ajudar Machado a superar as acusações que enfrentava.
Sarney também disse lamentar que as conversas privadas tenham se tornado públicas, porque os diálogos podem ferir outras pessoas.
O senador Romero Jucá disse que considera que apenas uma reformulação da política e a valorização de quem não tem crime poderá construir uma saída para o Brasil.
Segundo ele, o país esta vivendo uma crise de representatividade, e que era sobre isso que ele queria tratar na reunião referida nos diálogos.
Em relação ao ex-senador Delcídio, o presidente do Senado, Renan Calheiros, disse que ele acelerou o processo de cassação, cujo desfecho é conhecido. O senador afirmou ainda que não pode ser responsabilizado por considerações de terceiros e que suas opiniões sobre aprimoramentos da legislação foram públicas.
A defesa de Sérgio Machado voltou a dizer que os autos são sigilosos e que, por isso, não pode se manifestar sobre o teor das gravações.
A defesa da presidente afastada Dilma Rousseff alegou que a petista jamais pediu qualquer tipo de favor que afrontasse o princípio da moralidade pública.
O Instituto Lula declarou que o diálogo citado é fruto de mais um vazamento ilegal, que confirma o clima de perseguição contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Instituto afirmou ainda que a conversa não traz nada contra o ex-presidente, que Lula sempre agiu dentro da lei e que, por isso, não tem nada a temer.
G1
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