Quem vê as plantações de soja a perder de vista no horizonte de Capão Bonito, no interior de São Paulo, não imagina que esta era, até o início dos anos 2000, a “capital do feijão”.
Nas últimas duas décadas, uma série de fatores mudou o perfil das lavouras da região e contribuiu para que o feijão perdesse espaço. Literalmente: nas estimativas do engenheiro agrônomo Nélio Masayuki Uemura, da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, a área plantada encolheu de 15 mil hectares para cerca de 3 mil hectares.
Entre os fatores que explicam a mudança está a praga da mosca branca, que chegou por volta do biênio entre 2000 e 2001 e praticamente inviabilizou uma das duas safras de feijão cultivadas todo ano pelos produtores da região. Outro determinante foi a inserção do Brasil nas grandes cadeias de commodities.
Por ter um mercado internacionalizado, com negociação de contratos futuros, a soja acaba sendo mais segura para os produtores do que gêneros básicos como o feijão, que se restringem basicamente ao mercado interno, explica Uemura.
Em paralelo, os grandes investimentos feitos pelo setor privado no melhoramento de sementes, por exemplo, aumentaram a produtividade da commodity. Assim, além de menos arriscada, ela é mais rentável, especialmente em momentos como o atual, em que o dólar está nas alturas.
No restante do país, não é muito diferente. Nos 44 anos que separam a safra 1976/77 da de 2020/21, a área plantada de feijão encolheu 35% no Brasil, de 4,9 milhões de hectares para 2,9 milhões de hectares, conforme a série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Os ganhos de produtividade não chegaram a compensar a redução da área plantada, e o nível de produção hoje é bem próximo do daquela época, apesar do crescimento expressivo da população. Outros gêneros básicos, como o arroz, têm histórias parecidas.
Em paralelo, a área plantada de soja cresceu mais de 5 vezes, ou 460%, de 6,9 milhões de hectares para 38,9 milhões de hectares. A de milho quase dobrou, passando de 11,7 milhões de hectares para 19,9 milhões.
“O feijão compete com cadeias produtivas mais organizadas”, diz Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), com sede no Paraná, um dos Estados que hoje concentra a produção do grão no país, ao lado de Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia.
“Soja e milho são negociados lá fora, têm preço futuro já fixado, o produtor já sabe qual vai ser seu custo. Existe toda uma cadeia de empresas multinacionais e nacionais que fomentam e auxiliam a produção, com acesso a defensivos, fertilizantes, financiamento”, reitera.
BBC
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