Daniel Tavares se despediu da Ucrânia e voltou para Sousa, no Sertão da Paraíba, para escapar das temperaturas negativas e rever a família há quase três semanas, antes do início dos ataques russos. Por isso, ele se considera um homem de sorte, já que tudo aconteceu quando ele ainda não acreditava na ameaça de uma guerra. Por outro lado, lamenta pelos amigos ucranianos que ficaram para trás e ainda não conseguiram deixar o país. O principal medo das cerca de 10 famílias – com pais e dois ou três filhos cada uma – que permanecem no centro do conflito, de acordo com o brasileiro, é perder os filhos em combate.
“Tem uma família com um filho de 19 anos, inclusive esse rapaz foi meu aluno. Ele não pode sair de casa. Eles não querem nem sair pra servir, quem ficar em casa mesmo”, explicou.
Desde o dia 25 de fevereiro, os homens com idades entre 18 e 60 anos estão impedidos de deixar o país, porque podem ser convocados para servir no conflito. De acordo com Daniel, isso faz com que famílias inteiras permaneçam presas ao caos da guerra.
A tensão fica ainda mais forte com a dificuldade e os riscos da fuga. Não são apenas casas e empregos que ficam para trás, mas maridos e filhos.
“Falei pra ela [uma amiga ucraniana] ver a possibilidade de levar as crianças para a Polônia. Mas ela não quer deixar o marido e tem medo de deixar [o país] e ser atingido. Não podem mais sair, é arriscado. O exército tá invadindo a cidade deles”, relatou.
Agora, os comboios com famílias inteiras enfrentam filas de pelo menos 15 quilômetros de extensão e três dias de duração para até a fronteira.
Daniel durante trabalho com aulas de artes marciais na Ucrânia — Foto: Daniel Tavares / Arquivo pessoal
Sem emprego, falta dinheiro para comprar comida
O paraibano mantém contato com os amigos todos os dias. A comunicação é um dos poucos recursos que ainda não foi afetado. Por outro lado, como se não bastasse a ameaça de morte por armas de guerra, existe ainda intimidação da fome batendo à porta.
“Eles perderam o trabalho, o país parou. Os alimentos estão chegando nas regiões mais afetadas, vai demorar até chegar no Centro. Tem muita gente precisando de dinheiro mesmo. Não tenho como ajudar, estou começando do zero. Peço ajuda para enviar recursos. R$ 300 reais aqui valem umas 1.200 grívnias [moeda local] para eles”, contou.
Uma das famílias amigas de Daniel perdeu tudo e teve a casa atingida por um bombardeio. A amiga precisou se abrigar na casa dos sogros em uma área distante.
“E eles estão ajudando os soldados que estão de prontidão com os alimentos que eles têm. Eles recebem ajuda e também precisam ajudar”.
Filho de amigos de Daniel abrigado para escapar da guerra — Foto: Daniel Tavares/Arquivo pessoal
O que ficou para trás e a vontade de voltar à Ucrânia
O brasileiro pousou no Brasil no último dia de fevereiro. Ele passou 11 meses e 15 dias na Ucrânia, onde deu aulas de yoga, outras atividades físicas e também de língua portuguesa. O professor lembra bem do cenário que ficou para trás.
“Quando saí não tinha esse pavor ou alarme de guerra. As pessoas ouviam falar dessa guerra, mas não acreditavam. Lá eu também não acreditava, tava com a mentalidade dos ucranianos. Só que as tropas russas já estavam na fronteira. Encontrei outros estrangeiros saindo no aeroporto”, recordou.
Daniel morava na cidade de Karlivka, a cerca de 380 quilômetros de distância de Kiev, capital ucraniana, onde os ataques russos começaram. Karlivka, que não invadida e atacada, ainda é considerada uma área segura porque está localizada no Centro da Ucrânia.
“A nação inteira se assustou, muita gente da minha cidade resolveu sair, não quis esperar pra ver. Muitos ficaram por não terem condições, por não terem carro”.
O retorno ao Brasil aconteceu também por causa da morte do pai de Daniel, provocada pela Covid-19. A mãe, que havia ficado sozinha, agora se sente aliviada.
Ele não esconde a intenção que tinha e ainda tem – se a Ucrânia não for tomada pela Rússia – de voltar aos país Europeu, de onde lembra da cordialidade e gentileza do povo.
“Se você pedir uma informação sobre um lugar, eles não só ensinam como lhe acompanham até o lugar com você”, concluiu.
G1
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