A infertilidade é um problema de saúde que afeta milhões de pessoas em idade reprodutiva em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os dados disponíveis sugerem que entre 48 milhões de casais e 186 milhões de pessoas sofrem com a dificuldade para gerar filhos.
O problema está relacionado a fatores associados à mulher, ao homem ou a uma combinação dos dois. Características hormonais e genéticas, além de questões associadas ao comportamento, como tabagismo, abuso de álcool ou drogas e de anabolizantes contribuem para o desenvolvimento da infertilidade.
O mês de junho é dedicado à conscientização sobre a infertilidade. Especialistas consultadas pela CNN esclarecem os principais mitos e verdades sobre essa condição.
Principais causas da infertilidade
No caso das mulheres, diferentes fatores podem influenciar na capacidade de engravidar, como questões associadas ao processo de ovulação, ao útero e sequelas causadas por infecções.
“Idade materna avançada, tabagismo, estar fora do peso ideal e doenças autoimunes são alguns fatores de risco para a infertilidade. Mulheres que vão passar por algum tratamento como quimioterapia e radioterapia também têm que ser orientadas a preservar a fertilidade antes dos procedimentos”, afirma a médica ginecologista Natália Ramos Seixas, da clínica de saúde feminina Oya Care.
De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), mulheres obesas têm três vezes mais chances de sofrer de infertilidade associada à ausência de ovulação do que pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) adequado.
Embora a relação entre a obesidade e a infertilidade seja conhecida, ainda não há conclusões científicas sobre os mecanismos pelos quais a obesidade interfere na concepção.
A ovulação, que envolve a liberação do óvulo, é uma das fases do ciclo menstrual que marca o período de maior fertilidade da mulher. Diversas doenças podem causar alterações nesse processo e dificultar a reprodução.
“Uma das doenças mais frequentes que comprometem a ovulação é a síndrome dos ovários policísticos, em que os ovários da mulher estão aumentados de tamanho às custas da presença de múltiplos microcistos que prejudicam a ovulação. A mulher não ovula e, com isso, tem mais dificuldade de engravidar”, explica Silvana Chedid Grieco, ginecologista do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo.
As causas específicas da síndrome do ovário policístico são desconhecidas. A condição ocorre principalmente em mulheres com idade entre 30 e 40 anos. Cerca de metade das mulheres afetadas apresentam problemas hormonais, como excesso de produção de insulina pelo pâncreas. O restante tem problemas nas glândulas hipotálamo, hipófise e adrenais, produzindo maior quantidade de hormônios masculinos.
A endometriose, que consiste na inflamação provocada por células do tecido que reveste o útero (endométrio) também está associada à infertilidade. Nem todas as mulheres com endometriose se tornam inférteis, mas, em alguns casos, a presença da doença nos ovários pode provocar o aparecimento de um cisto que, ao aumentar de tamanho, pode comprometer a reprodução.
“Além dos problemas ovulatórios temos também os problemas uterinos. Malformação do útero ou a presença de miomas podem ser causa de infertilidade, dependendo da localização dos miomas e do tipo de malformação”, afirma Silvana.
Sequelas de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) também podem provocar infertilidade.
“A infecção por clamídia é super silenciosa, muitas vezes sendo detectada em consultas de rotina ou em mulheres que já estão vivendo a infertilidade. A clamídia causa uma inflamação nas trompas uterinas da mulher. Em muitos casos, quando as trompas ficam doentes, elas criam líquidos que atrapalham a reprodução”, explica Natália.
Mitos relacionados à infertilidade
O uso de métodos anticoncepcionais é um dos principais mitos associados ao desenvolvimento da infertilidade.
“Muitas mulheres acreditam que o uso da pílula anticoncepcional por muitos anos pode levar à infertilidade. Isso não é verdade, é um mito. O que pode acontecer é apenas que, durante o período em que a mulher faz uso da pílula, ela pode mascarar problemas que causam infertilidade e que, pelo uso da pílula, não são vistos”, diz Silvana.
Segundo a ginecologista, também não existem evidências científicas de que o dispositivo intrauterino (DIU) possa causar a infertilidade.
“Nenhum dos métodos anticoncepcionais –nem a pílula, o DIU, as injeções anticoncepcionais, os implantes, o preservativo ou diafragma– é causa de infertilidade. Esse é um mito que precisa ser combatido”, reforça.
Idade chave para a mulher: 35 anos
As mulheres nascem com a quantidade total de óvulos que vão se desenvolver ao longo da vida. Com o passar dos anos e dos ciclos menstruais, os óvulos que não dão origem a uma gestação são descartados pelo organismo.
“Até 35 anos, a curva de número de óvulos versus bebês nascidos vivos se mantém quase estável. A partir de 35 anos, essa curva cai exponencialmente. Não somente a perda quantitativa de óvulos é importante, mas também a qualitativa. Como seres humanos, não podemos olhar só como estatística. Muitas pessoas com ovários começam a perder o estoque de óvulos, tanto em quantidade quanto em qualidade antes dos 35 anos”, afirma Natália.
A cada ciclo menstrual, a mulher perde dezenas de óvulos até o momento da menopausa, quando o estoque é esgotado.
“Apesar de a mulher entrar em menopausa em torno dos 50 anos, a diminuição da reserva de folículos ovarianos começa a acontecer a partir dos 28 anos e se intensifica a partir dos 35. Normalmente, a gente recomenda que as mulheres ou engravidem antes dos 35 anos ou pensem na possibilidade de fazer o congelamento dos óvulos”, diz Silvana.
Fatores masculinos que impactam na fertilidade
Fatores hormonais, genéticos e infecciosos são algumas das causas da infertilidade masculina. No caso do homem, as principais alterações no organismo que podem dificultar a reprodução podem ser vistas em um exame chamado espermograma, capaz de detectar a quantidade e concentração de espermatozoides, além de características como mobilidade e formato dos gametas.
“Qualquer alteração nesses parâmetros, como uma diminuição da quantidade ou da mobilidade dos espermatozoides com formato normal, podem ter um impacto negativo e ser causa de infertilidade”, explica Silvana.
Outra causa da infertilidade por fator masculino é a varicocele, que consiste na dilatação das veias do testículo.
“Quando as veias estão dilatadas, existe um aumento da temperatura dos testículos, o que é ruim para a formação dos espermatozoides. Por isso que se fala que os homens não devem usar calça ou cueca muito apertada que fazem com que o saco escrotal fique muito próximo do corpo”, diz Silvana.
Doenças infecciosas também podem levar à infertilidade de causa masculina. Uma infecção genital não tratada pode evoluir para a obstrução dos canais deferentes, que são as estruturas pelas quais os espermatozoides saem do testículo e encontram o líquido seminal no momento da ejaculação.
A infertilidade do homem também tem causas genéticas e fatores hormonais.
“Existem mutações genéticas que podem fazer com que o homem nasça com uma ausência total de espermatozoides ou com uma diminuição muito grande na concentração dos espermatozoides. O homem pode ter situações de desequilíbrio hormonal que levam a uma diminuição na produção dos espermatozoides por uma falta de estimulação hormonal adequada sobre os testículos”, diz Silvana.
Olhar preventivo sobre a fertilidade
A consulta regular ao ginecologista é recomendada como parte do acompanhamento da saúde da mulher desde o início da adolescência. Além da avaliação hormonal e da saúde feminina como um todo, são comuns orientações sobre prevenção a infecções sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos.
No entanto, a ginecologista da Oya Care afirma que, nesse contexto, o planejamento da concepção pode ficar em segundo plano.
“Muitas vezes, numa consulta ginecológica o nosso foco é pensar nos riscos do câncer de colo de útero, por isso que fazemos o exame preventivo que é o papanicolau, no risco do câncer de mama, na saúde geral da mulher”, afirma Natália.
Com a mudança de comportamento da sociedade, as mulheres têm engravidado cada vez mais tarde. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, nos últimos dez anos, o aumento na faixa etária que vai dos 35 aos 39 anos foi de 63%, enquanto a taxa de nascimentos entre mães com até 19 anos caiu 23% no mesmo período.
Nesse cenário, a especialista enfatiza a importância da identificação precoce de possíveis dificuldades para engravidar.
“Estamos tentando popularizar esse olhar preventivo. É uma consulta em que abordamos todos os fatores de risco para a infertilidade. Olhamos para a mulher como um todo, os antecedentes pessoais, se ela tem algum vício, doença crônica ou uso de medicações. Por exemplo, mulheres que têm doenças autoimunes podem ter um risco maior de ter uma queda da fertilidade antes de outras mulheres”, afirma.
Diagnóstico precoce
O avanço na medicina permitiu o desenvolvimento de exames capazes de avaliar a reserva ovariana, um marcador de fertilidade da mulher. O teste pode ser realizado a partir da dosagem de um hormônio chamado anti-mülleriano.
“Com esse hormônio, temos uma noção quantitativa de como está essa reserva ou estoque de óvulos da pessoa com ovário. Assim, fazemos a estratificação de risco associando os antecedentes médicos com um exame de sangue hormonal”, explica Natália.
De acordo com a especialista, um indício de infertilidade surge quando casais não conseguem engravidar nas seguintes condições: não utilizam métodos contraceptivos, estão tendo relações há pelo menos um ano e a mulher esteja abaixo dos 35 anos.
“Quando essa mesma mulher tem mais de 35 anos, o prazo reduz para seis meses, em casais heterossexuais. Casais homoafetivos podem buscar atendimento especializado desde o início do desejo de ter um bebê. Hoje temos várias técnicas disponíveis”, disse.
Avanços contribuem para ajudar a engravidar
Pessoas com dificuldade para engravidar podem se beneficiar de métodos avançados da medicina no campo da reprodução.
Uma delas é o coito programado, que consiste no controle da ovulação da mulher e orientação para as relações sexuais no período de maior probabilidade de gravidez.
“O coito programado pode ser feito em um ciclo natural, em que a mulher não usa medicação nenhuma ou em um ciclo com medicação para aumentar a ovulação. A vantagem de se fazer o coito programado com indução de ovulação é que as chances de engravidar aumentam, mas também aumentam os riscos de gestação múltipla”, afirma Silvana.
A fertilização in vitro, criada há quase 45 anos, ainda é uma ferramenta disponível para quem apresenta uma dificuldade maior de gravidez natural.
“A amostra de esperma é preparada em laboratório e o médico, com uma pequena sonda, coloca o esperma dentro do útero da mulher, através do colo do útero. Os espermatozoides ‘nadam’ dentro do útero e vão até as trompas, onde vão encontrar os óvulos que foram produzidos e serão fertilizados”, explica.
A médica ginecologista da Oya Care afirma que o congelamento de óvulos é um método seguro e eficaz e deixou de ser considerado experimental.
“Os estudos trazem de evidência científica que por dez anos esses óvulos se mantêm saudáveis mas, na prática, eles se mantêm saudáveis ‘ad aeternum’. Congelamento é uma técnica antiga, usada no início. Hoje, chamamos de vitrificação de óvulos, um congelamento rápido. Os estudos vão sair ao longo das próximas décadas, mas com a prática clínica estamos percebendo que esses óvulos não envelhecem.
A especialista explica que o procedimento permite a postergação da maternidade e previne a reduzir os riscos de doenças genéticas.
“No caso de uma mulher que congelou com 35 anos e pretende engravidar aos 45 anos, os óvulos dela vão ter o potencial de quando eles foram congelados, o que diminui os riscos de malformações e de doenças cromossômicas”, diz.
CNNBrasil
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