“Eu ainda acho ele muito tímido, ele caiu demais durante o jogo. Na hora que eu entrei no vestiário, eu falei que ele estava jogando com a chuteira errada, mas ele disse: “Eu só tenho essa”. Para você ver como é o futebol. Sempre têm pessoas humildes, bacanas. Vamos providenciar uma chuteira com travas corretas para que ele não escorregue mais.”
Fortaleza venceu o Guarani na estreia da Série B (Foto: Thiago Gadelha/Agência Diário)
A declaração é de Rogério Ceni, treinador do Fortaleza. O rapaz tímido supracitado se chama Wallace, tem apenas 19 anos e, oito dias depois de ser contratado, estreou num Campeonato Brasileiro. A chuteira em questão custou R$ 400,00. Travas de borracha. Em campo molhado, complica. O preço é razoável para um calçado de qualidade, como o próprio meia frisa. Salgado para o bolso, foi necessário parcelar no cartão da tia, em três vezes. Mas já está quitado, ele garante.
Revelação do Floresta no estadual, Wallace rabisca uma nova história com o Tricolor do Pici. O mundo é outro, diferente de quando era criança. Bem diferente de quando jogava bola, descalço, com os amigos no campinho em frente de casa. O acanhamento foi flagrante até durante a entrevista. Dono de frases curtas, o jogador preferiu a troca de mensagens em vez de um bate-papo por telefone. “Não gosto muito”, confessou. Quando entra em campo, a inibição dá lugar à ousadia. E aí, quem se atreve a segurar?
Na última sexta-feira (13), Wallace teve sorte. Entrou em campo no segundo tempo, aos 33 minutos. No primeiro toque na bola, aos 37, o escorregão. A recuperação foi rápida para receber novamente a bola. Viu Edinho passando pela direita e deu o passe. Na sequência, Osvaldo recebeu na área e quase fez o segundo gol do Fortaleza. Wallace reclamou como quem diz: “Eu tava aqui, poxa!”.
A bola é paixão antiga. Imagine só você, caro leitor. Acordar, sair pela porta de casa e se deparar com um campinho de futebol. É o sonho de toda criança que gosta do esporte. Pois assim, exatamente assim, foi a infância de Wallace.
– Moro na frente de um campo no bairro Genibaú. Não tinha como não jogar! Eu saía na rua e via o campo. É a única coisa que sei fazer. Minha mãe, para não me chamar de burro, diz que eu penso com as pernas – brincou o jogador.
O primeiro sonho foi o mesmo de milhões de crianças no mundo. Muitas desistem pelo caminho repleto de dificuldades. Não Wallace. Aos 13, tentou a sorte em São Paulo. Fez testes e mais testes em Palmeiras, Corinthians, Santos, Ituano, Primavera. A base foi toda no futebol de várzea paulista. Aos 18, voltou para casa. A saudade bateu.
– Sempre quis ser jogador de futebol. Eu sempre respirei futebol, sempre fui apaixonado, não importa como seja, só quero jogar! Uma frase que sempre falo: “independente de onde for, só quero jogar!” E por estar em um clube grande a motivação é muito maior – pontuou.
Wallace, em 2001, fez testes no Fortaleza (Foto: Arquivo Pessoal)
No Floresta, estreou contra o Fortaleza, num revés por 3 a 2. Foi o único jogo do estadual em que não usou as chuteiras com travas de borracha, aquelas de que Rogério Ceni reclamou. Em todos os demais jogos do Cearense, o par de chuteiras – único que Wallace possuía – calçou-lhe os pés. Com os calçados, o meia brilhou. Com eles, Wallace marcou dois gols na competição. Um contra o próprio Tricolor do Pici.
– Eu já entrei em campo (pelo Fortaleza, contra o Guarani) pensando nisso, que poderia escorregar. Pois pelo Floresta já tinha acontecido isso. Mas não tinha para onde correr, era a minha única opção – relembra.
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