Mãe de duas crianças, Claudia di Silverio, moradora da favela de Paraisópolis, em São Paulo, passou a receber em julho o Auxílio Brasil de R$ 600. O valor – R$ 200 acima dos R$ 400 que recebia até então – ainda é insuficiente para comprar o básico.
“Esse dinheiro de R$ 400 não dá o mês inteiro, e R$ 600 ajuda um pouco mais. Mas, como as coisas estão tão caras, vai ser bem difícil. Eu acho que R$ 800 daria pra amenizar um pouco mais, mas não ia ficar tranquilo”, diz.
Assim como Cláudia, outros moradores de São Paulo enfrentam dificuldades para viver com o valor do Auxílio Brasil, mesmo após o aumento promovido por parlamentares, com o apoio do governo, em julho deste ano.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica na capital paulista custava em média R$ 749,78 em agosto – R$ 149,78 mais do que valor recebido por Cláudia e por outras 710 mil famílias beneficiadas, segundo dados do Ministério da Cidadania de setembro, os mais recentes disponíveis.
A lacuna entre o mínimo necessário para viver e o auxílio também é sentida em outras 11 capitais mapeadas pelo Dieese — somente em cinco o benefício é suficiente para comprar uma cesta básica.
Veja, no gráfico abaixo, quanto custa uma cesta básica nas capitais – e onde os R$ 600 não são suficientes para comprá-la.
Auxílio é insuficiente para comprar cesta básica em capitais do país — Foto: Arte/g1
Variação no custo de vida
O que explica a diferença no poder de compra do Auxílio Brasil é o custo de vida em cada região pesquisada pelo Dieese.
Num estudo publicado no ano passado, Naercio Menezes, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso e professor do Insper, deixou evidente como benefícios sociais podem ter impactos distintos nos orçamentos familiares de diferentes regiões.
Realizado com base nos preços de abril de 2021, o levantamento mostrou que um habitante do Ceará precisaria de R$ 134 mensais para comprar alimentos e consumir as calorias necessárias. Em São Paulo, esse valor subia para R$ 180 – ou seja, uma família com 4 pessoas precisaria de R$ 736 para comprar a quantidade de comida necessária.
“Os R$ 600 (do Auxílio Brasil) não são suficientes para a pessoa que mora na região metropolitana de SP comer o suficiente e ter as calorias necessárias, por isso que tem a volta da fome”, diz Naercio. “Eu defendo os valores diferenciados porque o custo de vida é diferente”, afirma.
A comerciante Claudia di Silverio lendo em sua casa, em Paraisópolis (SP) — Foto: Fábio Tito/g1
Vivendo de bico
Cláudia tem uma mercearia em Paraisópolis — que segundo ela não dá lucro — e atualmente faz um “bico” cuidando de um idoso que mora na região. Pelo serviço, ela recebe R$ 800 por mês, mas somente até conseguirem uma vaga em algum estabelecimento público para que ele possa passar o dia.
Sem dinheiro do bico, Cláudia recebe menos que o suficiente para pagar uma cesta básica.
“Na verdade, [o dinheiro] é só para ter alimentação mesmo. Porque você tirar dinheiro pra comprar sapato, uma roupa, tem que apertar o cinto mesmo. Para poder comprar as coisas pras crianças, infelizmente não consegue fazer muita coisa, mas também não vai faltar”, comenta.
Apesar de considerar o valor insuficiente, a comerciante sabe que tem pessoas em situação ainda pior que a dela. Por isso, tenta não reclamar. “Faltar, falta. Mas a gente fica com constrangimento de falar, porque tem gente que não recebe nem isso”, diz.
Juntas, as demais cidades onde o auxílio é insuficiente para comprar uma cesta básica abrigam 1,7 milhão de famílias beneficiárias. Com São Paulo, chegam a 2,4 milhões. Isso quer dizer que uma pessoa que tem somente a renda do Auxílio Brasil nesses municípios não consegue comprar o mínimo.
Um debate maior
O superintendente-executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, diz que, antes de discutir valores diferentes por regiões, o país precisa se debruçar sobre dois pontos: modular o programa com base na composição familiar e melhorar o Cadastro Único.
“A composição expõe as famílias a maiores desafios. Quanto mais crianças, mais apoio você deveria ter do estado. Talvez seja a variável mais definidora do programa” afirma Henriques, que foi um dos criadores do programa Bolsa Família.
“Com um bom cadastro, é possível calibrar melhor o valor de transferência de renda e fazer os endereçamentos necessários para aumentar a probabilidade de que uma família saia da pobreza porque será possível articular melhor as políticas sociais”, diz.
G1 Economia
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