A decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato parlamentar de Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pode ter sido a mais clara sinalização de que a justiça brasileira resolveu instituir uma verdadeira caçada aos inimigos do poder. Digo isso ao fazer uma leitura sobre a tese que consta no recurso, provido ontem pela corte eleitoral, que cassou o deputado federal mais votado do Paraná, com quase 350 mil votos.
Uma leitura mais acurada pelo escriba ficou evidenciada que o voto lido por Benedito Gonçalves e seguido pelos demais pares da corte foi tão absurdo que apenas os tribunais de exceção poderiam protagonizar algo tão parecido. A tese de que a exoneração antes da instauração do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), mas pendente de sindicância, atrairia inelegibilidade é um erro tão gigantesco que a primeira coisa que me veio à mente foi a seguinte frase de Rui Barbosa: De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
A Justiça Eleitoral não poderia analisar o conteúdo desse ou de qualquer outro PAD, seja com Deltan ou qualquer outro, simplesmente porque a regra de inelegibilidade deve ser interpretada restritivamente. Como se sabe, todo processo administrativo envolve um juízo pela administração da gravidade dos fatos. Sem isso, há procedimentos preliminares que podem ou não resultar num PAD posterior. Dito isto, diferentemente, a inelegibilidade trata de um direito político e seu tolhimento ou restrição deve ser ainda limitada, de modo que a regra é que, na dúvida, vota-se a favor da elegibilidade, conforme precedentes aos montes no TSE.
Em segundo lugar, não cabe à Justiça Eleitoral avançar para examinar conteúdo de processos preliminares, realizando um juízo de se eles resultariam ou não em eventual e hipotética punição. Neste sentido, se a regra é objetiva – eela é: inelegibilidade e caso de exoneração da pendência do PAD – deve ser aplicada objetivamente, como, aliás, sempre foi feito no âmbito da Justiça Eleitoral. Não por acaso, a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) foi unânime ao conceder o registro de candidatura de Deltan.
O fato é que o esforço argumentativo para tentar achar pêlo em ovo, ampliando a inelegibilidade prevista na alínea ‘Q’ na lei da Ficha Limpa, com direito a insterpretação sistemática , finalidade da norma, princípios de probidade e moralidade, e outras coisitas mais, não justifica tamanha decisão, posto que fere a objetividade da regra em questão. O argumento de que os PADs respondidos por Deltan poderiam resultar em sanção cai num exercício de futurologia, do tipo “vou ganhar na mega sena amanhã!”
Se não é objetiva, não está na regra do jogo, portanto, fora da lei e do seu esírito norteador. Da mesma forma, é garantia constitucional do cidadão, seja Deltan ou José, a exclusividade de jurisdição pelo poder judiciário, aliado à independência funcional de seus juizes, conforme se infere da norma constitucional em vigor, trazendo aos jurisdicionados, a certeza e a segurança de que seus litígios serão julgados de maneira legal e legítima.
O Direito não pode e nem deve ser veículo para vingança. Ele se desenvolveu ao longo de séculos precisamente para evitar vinganças, para aplicar punições dentro da lei, conforme a lei, não torcendo a lei e aplicando-a de forma arbitrária, para dar aparência de legitimidade à punição.
Não pode, qualquer que seja a motivação, juízes se investirem no papel de caçadores, solaparem direitos fora do próprio direito, dando azo a interpretações fora do espectro normativo, tão somente para aplicarem aquilo que lhes são mais convenientes, inclusive com a celebração de poderosos de plantão. O Brasil não pode e nem deve abrigar tribunais de exceção, tampouco fazer de seus poderes constituídos instâncias de perseguição para solapar direitos de adversários ou de quem pensa diferente dos poderosos de plantão.
Para encerrar o presente escrito, em que Data Máxima Venia ouso discordar de suas excelências, magistrados do TSE, deixo a seguinte frase de Rui Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
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