O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou na quarta-feira o bloqueio de todos os perfis de redes sociais de Bruno Aiub, o Monark. Como ele é um comunicador que vive de se apresentar pelas redes, não é apenas uma ordem de censura prévia. É também uma proibição de que ele trabalhe e se sustente. É uma decisão grave. Censura prévia é proibida pela Constituição. Cláusula pétrea. Jair Bolsonaro não é mais o presidente. As eleições passaram. Qual o sentido de calar Monark?
O problema da liberdade de expressão no mundo digital não é trivial. Alguns repetem o discurso ingênuo de que deveria ser uma liberdade absoluta “como nos Estados Unidos”. O próprio Monark fala essas coisas — e ele não sabe do que está falando. Não é absoluta nem lá, nem em canto algum. Liberdade de expressão é um problema filosófico e prático, não é um problema moral como a direita autoritária faz parecer.
Talvez os leitores mais atentos estejam cansados com o eterno retorno, por aqui, ao capítulo 2 de “Sobre a liberdade”, do filósofo inglês John Stuart Mill. É a defesa mais elegante, e também mais prática, jamais feita de por que a liberdade de expressão é útil a uma sociedade livre e interessada no avanço pelo conhecimento.
Mill parte de uma série de premissas, às vezes não escritas, que precisam ser levadas em conta. Ele escreveu no século XIX, quando a ideia de tempo para reflexão era inerente ao debate. Demorava muito para um livro ser publicado, raros eram os que escreviam livros ou mesmo panfletos e artigos de jornal. Raros participavam do debate público. E botar uma opinião na roda tinha um impacto imenso na reputação, então quem escrevia dedicava tempo à construção de seus argumentos. Naquele mundo, era muito razoável acreditar, como Mill, que as melhores ideias venceriam as piores com o passar do tempo.
Essa ideia — com o tempo as melhores ideias se sobressaem às piores — combina com outra, do pastor americano Martin Luther King: “O arco da História é longo, mas pende para a justiça”. Dr. King partia também de uma premissa. O arco da História pende para a justiça quando se vive numa democracia. É o que a História mostra.
No nosso tempo, a comunicação digital traz duas diferenças que traem o raciocínio de Mill. Primeiro, ela é rápida. Publicação e distribuição são instantâneas. Segundo, ela não estimula respostas racionais. As redes são construídas para nos provocar reações instintivas. Movidos, portanto, por nossas emoções, vieses, preconceitos. Nossa reputação no debate público digital cresce não pela sofisticação do argumento, pelo desafio intelectual de antes. A reputação cresce, como num ringue de luta livre, se as torcidas sedentas são saciadas ou não.
É bem possível que King e Mill continuem certos no arco do tempo. Num espaço de dez, 20 anos, vai dar certo. Mas, no ambiente de caos, manipulando desinformação de milhão em milhão de likes, um autoritário se reelege, e nessa morrem 100 mil numa pandemia, uns tantos milhões de hectares de floresta são derrubados, talvez um país vizinho termine invadido. Perdemos a democracia.
Então, sim, em alguns momentos pode ser que se justifique maior rigor para conter a desinformação e proteger da morte a democracia. Mas a eleição passou. Não é à toa que nossa Constituição, em geral verborrágica, vede a censura prévia com um período tão simples: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Ponto, parágrafo. Só isso e basta.
Deixa o Monark falar bobagem. É hora de deixar a democracia funcionar com suas próprias pernas. Confia.
Publicado em O Globo de hoje (16/06/2023)
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