O ex-jogador e ex-técnico Mario Jorge Lobo Zagallo morreu aos 92 anos. A informação foi publicada no começo da madrugada deste sábado (6) pelo perfil oficial da lenda do futebol mundial. Seu time de coração, o Flamengo, publicou uma homenagem, assim como o Botafogo, outra agremiação que o Velho Lobo jogou.
Mário. Jorge. Lobo. Zagallo. Quatro nomes, quatro Copas do Mundo. Difícil não confundir a história deste alagoano com a do próprio futebol. Tinha em si a mistura do brasileiro quando a linguagem é o esporte bretão: personalidade forte, às vezes até turrão, determinado ao extremo. Tudo com uma grande pitada de superstição em sua paixão desenfreada pelo número 13. Prenúncio de sorte, ele dizia. Um senhor que viajou ao longo de mais de oito décadas e provou sabores e dissabores que o mundo da bola pode proporcionar. Um caminho que ele estava convencido de que fora destinado a cumprir. E o mundo, em parte, a engolir.
“Sou predestinado. Quando o céu está coberto não tem estrela. Agradeço sempre por tudo que conquistei”, disse certa vez o “Velho Lobo”.
E que história. Nascido em Maceió, Alagoas, em 9 de agosto de 31 – 13 ao contrário – chegou ao Rio de Janeiro com apenas oito meses de idade. A família se estabeleceu pelas ruas da Tijuca, Zona Norte da cidade, próximo ao rubro América. Pelas calçadas da Praça Afonso Pena, o garoto assumiu o gosto pela bola. E, destemido, decidiu: seria jogador de futebol.
O problema seria convencer os pais, Haroldo e Maria Antonieta. Na década de 40 fazer da bola um ofício não era visto com bons olhos. Mas, com a intervenção do irmão mais velho a seu favor, conseguiu. Em 1948 ingressou nas categorias de base do América, clube do qual seu pai era sócio. Entre treinos e jogos, Zagallo arrumava tempo para frequentar a sede social. E foi em um dos bailes de confete que conheceu Alcina, sua futura esposa. Com ela, ganhou o 13 em sua vida.
Devota fervorosa de Santo Antônio, celebrado em 13 de junho, Alcina fez de Zagallo o mais ferrenho defensor do algoritmo. O que para muitos era sinônimo de azar, para o então ponta-esquerda era símbolo de sorte. Zagallo exaltava a predileção pelo número, mas dizia ser apenas fé. Com Alcina casou-se em 13 de janeiro de 1955. E o número da camisa passou a ser o mesmo. Coisas de Santo Antônio. Coisas de fé. Não superstição.
No América permaneceu até o ano seguinte, quando seguiu para o Flamengo, time pelo qual se profissionalizou. Diante da concorrência, decidiu deixar o centro do meio de campo para jogar na ponta-esquerda. Ali se encontrou. Em 1950, com 19 anos, servia o Exército quando deixou o Maracanã calado em meio à multidão diante do gol de Gigghia em Barbosa. O Uruguai era campeão do mundo. E o Brasil, garantia Zagallo para si mesmo em meio a tantas lágrimas, também seria. A determinação quase obcecada em levar a pátria ao topo mais alto do futebol desenhou sua trajetória.
Em 1958, lá estava ele entre os convocados de Vicente Feola. Na ponta-esquerda, em um vaivém frenético entre ataque e defesa. Muito disciplinado. De tanto se dedicar recebeu o apelido de “Formiguinha”. Ao lado de Pelé e Garrincha, levou o Brasil ao topo do mundo da bola. Na final, diante da Suécia, fez um dos gols na vitória de 5 a 2. A Jules Rimet estava no alto, em mãos brasileiras, com Bellini.
Em 1991, ele assumiu o Brasil como coordenador técnico. Uma espécie de escudo para Carlos Alberto Parreira, o treinador. À sua maneira, Zagallo fez funcionar. Durante a campanha do tetracampeonato mundial, nos Estados Unidos, não cansava de se virar para as câmeras e iniciar a contagem regressiva para a conquista. Faltavam sete, cinco, quatro… Até não faltar mais nenhuma. O pênalti nas alturas de Roberto Baggio elevou, também, a carreira de Zagallo. Quatro Copas do Mundo vencidas no currículo. Não era mesmo pouco.
Tanto que, diante da saída de Parreira, ele voltou ao posto de técnico da seleção. Persistente com suas ideias, acumulou críticas. Pressionado durante a Copa América de 1997, na Bolívia, desabafou para as câmeras, dedo em riste, rosto vermelho, olhos furiosos contra seus críticos, em episódio que entrou para a história e virou sua marca quase tanto quanto a superstição pelo número 13.
“Você vão ter que me engolir!”, vociferou após o título.
A frase foi marcada a ferro na biografia, mas, aos 66 anos, Zagallo mostrara ainda ter fôlego para mais batalhas. Na Copa de 98 enfrentou problemas. Primeiro, no corte de Romário, que lhe rendeu uma “homenagem” na porta de um banheiro do bar do atacante no Rio de Janeiro, onde aparecia, em caricatura, sentado em um vaso. A brincadeira de gosto para lá de duvidoso rendeu um processo judicial ao “Baixinho”.
No Mundial da França em si, o Brasil até chegou à final. Suas imagens ao motivar jogador por jogador, com seus poucos cabelos traçando o vento e as veias pulsantes no pescoço, antes dos pênaltis na semifinal contra a Holanda, foram marcantes. Mas a polêmica com Ronaldo, inicialmente cortado do jogo e que teria sofrido uma convulsão horas antes da decisão, fez o cenário ficar pesado. E Zagallo, de novo, se exasperou contra a imprensa após os 3 a 0 retumbantes diante dos donos da casa. Mostrara ali sua personalidade forte, de quem não levava desaforo para casa. Mas, talvez por isso, também se excedia.
“Entrou porque entrou. Tenho moral e personalidade para falar. Vocês devem muito a mim. Estou aqui porque sou homem. Tenho dignidade e caráter”, disparou, com dedo em riste, ao ser perguntado sobre a razão da escalação de Ronaldo. Em seguida, abandonou a coletiva.
Foi o fim de sua passagem no comando da seleção. Mais leve, sem a pressão de um país às costas, retomou a carreira de treinador na Portuguesa, em 1999. No ano seguinte, voltou ao Flamengo, clube do coração. De novo na Gávea, viveu momento histórico. Foi ele o técnico do gol do tricampeonato carioca, de Petkovic, em 2001.
À beira do gramado, camisa rubro-negra com número 13 às costas, andava em êxtase agarrado a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida após o gol do sérvio, aos 43 minutos do segundo tempo. O placar? 3 a 1 para o Flamengo. 13, ao contrário. Na arquibancada, ouviu os gritos de “Ih, Ih, Ih, vai ter de me engolir”. O “Velho Lobo” sorria. Parecia, de novo, o garoto das ruas da Tijuca.
No mesmo ano, por maus resultados, deixou o clube e carreira de técnico, de vez. E aquietou-se. Em 2006, voltou a uma Copa do Mundo, novamente ao lado de Parreira, como assistente técnico. Mas a força já não era a mesma de antes. Sua participação foi mais tímida. Desde então, afastou-se do futebol. Mas, sempre que procurado, não se furtava a dar opiniões. Falar de futebol era como falar da própria vida.
No Rio de Janeiro que aprendeu a amar desde menino passou os últimos anos de vida. E com alguns sustos e pesares. Em 2011 e em 2014, foi vítima de assaltos. No primeiro, tão logo foi reconhecido, os bandidos o pouparam. No segundo, não houve nem tempo e o relógio do filho foi levado. Em 2012, perdeu a esposa, Alcinda. No ano seguinte, sofreu um acidente de carro, com pequenas escoriações. Garantia ser forte. E, de fato, era.
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