O ano era 2005 e a Paraíba e o Brasil foram surpreendidos com o anúncio de uma suposta ‘fila da morte’ existente no maior e mais importante hospital de oncologia do estado. Naquela oportunidade, os Ministérios Públicos Federal e Estadual se mobilizaram, Estado, Prefeitura da Capital e Ministério da Saúde elevaram os recursos para fazer frente ao tratamento dos pacientes, embora com inúmeras ressalvas à condução administrativa e financeira da Fundação Laureano, responsável pelo gerenciamento do Complexo de Saúde. Os anos se passaram e, mais uma vez, os velhos e conhecidos problemas voltam à tona, não mais como ‘fila da morte’, como estampara as mídias local e nacional à época, mas em forma de transferir responsabilidades de problemas provocados por má gestão.
Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) dentro do Hospital Napoleão Laureano mostra que pacientes ficam até seis meses de espera para iniciar a administração de um medicamento no tratamento contra o câncer, a chamada quimioterapia. O relatório foi divulgado pela CGU nesta semana e é referente a inspeções realizadas no hospital em 2021.
O documento retrata evidências de atrasos e interrupções sem justificativa no tratamento contra o câncer em 21 de 23 prontuários de pacientes atendidos no local. Em uma das situações, uma paciente recebeu prescrição para iniciar tratamento com Pertuzumabe em setembro de 2020. No entanto, ela só tomou a primeira dose da medicação em março de 2021.
O relatório também mostrou que o Laureano recebeu em 2021, pelo menos, R$ 63,3 mil em recursos públicos por exames e procedimentos sem comprovar a realização deles.
O procedimento mais em conta pago e supostamente não feito foi uma monoquimioterapia do carcinoma de mama, no valor de R$ 34,10. Já os supostos procedimentos mais caros cobrados pelo hospital ao Sistema Único de Saúde (SUS) foram cinco poliquimioterapias do carcinoma de mama. Cada um custou aos cofres públicos R$ 5,1 mil, totalizando, só neles, R$ 25,5 mil em serviços não comprovadamente realizados.
Outra irregularidade encontrada é referente a cobrança e recebimento de diárias pagas pelo SUS a pacientes que já estavam mortos. Foram analisados 931 prontuários de pacientes e, nestes, 55 estavam com inconformidades com a data de morte.
Em outro momento, o documento mostra que o Hospital Napoleão Laureano tem a maior taxa de morte por pacientes internados. O hospital registrou, de janeiro a dezembro de 2021, 2.559 pacientes internados. Desse total, 521 morreram durante a internação.
Aliás, o percentual de óbitos com relação a pacientes internados no Laureano foi de 20,36%. O número é o mais alto entre dez hospitais e institutos de tratamento do câncer no Nordeste.
Transferência de responsabilidades
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público da Paraíba (MPPB) emitiram recomendação, na última sexta-feira (02), à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa (PB) para que reassuma o controle efetivo e integral da regulação de todos os procedimentos relativos à assistência oncológica na rede estadual, abrangendo o Hospital Napoleão Laureano (HNL). Até 2021, a Prefeitura realizava a regulação, quando decidiu transferir a competência para o próprio hospital, como forma de diminuir a brurocracia e agilizar os procedimentos.
Além disso, o MP recomenda que atenda imediatamente pacientes em situação de urgência e realize o agendamento de consultas e tratamentos, dentro do prazo legal, para pacientes com câncer que tenham sido identificados sem o devido atendimento.
À SMS, recomendou-se também que se abstenha de destinar emendas parlamentares federais e municipais sem observar a legislação de regência, notadamente quanto à priorização de melhorias efetivas no volume e agilidade de atendimentos/tratamentos para pacientes com câncer, de acordo com o planejamento local do Sistema Único de Saúde (SUS). Foi recomendado, ainda, que reavalie repasses já realizados para compra de medicamentos, visando evitar pagamentos em duplicidade pela mesma finalidade, assim como agilize a análise das pertinentes prestações de contas. E, por fim, que seja ampliada a transparência desses repasses, possibilitando-se maior debate público das prioridades de aplicação eleitas em planos de trabalho.
Também foi recomendado à Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES) que exerça a coordenação e articulação da rede estadual de oncologia e, ao Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), que monitore a mesma rede, acompanhando medidas de correção de irregularidades apontadas por ele próprio e pela Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo é que as instituições atuem na regularização do atendimento aos pacientes paraibanos que aguardam tratamento de câncer.
Além dos pacientes incluídos na listagem de amostra apurada em inspeção (cerca de 30 pacientes), foi recomendado à SMS que realize a busca ativa e agendamento para outros em situação similar, respeitado o prazo legal de acesso ao tratamento oncológico, sendo que os portadores de Leucemia Mieloide Aguda (10 pacientes) devem obter atendimento em caráter de urgência, no prazo de 48 horas.
A recomendação conjunta do MPF e MPPB, assinada pelo procurador da República José Guilherme Ferraz da Costa e pelo 40º promotor de Justiça da capital, Alexandre Jorge do Amaral Nóbrega, foi expedida no âmbito de procedimento administrativo instaurado pelo MPF com o objetivo de acompanhar o funcionamento da Fundação Napoleão Laureano (FNL), instituição filantrópica mantenedora do HNL, localizado em João Pessoa, único centro de assistência de alta complexidade em oncologia no território paraibano.
Investigações realizadas pelo MPF, MPPB e outros órgãos públicos (Conselhos Regionais de Medicina, Contabilidade e Administração, Denasus, CGU e TCU) revelaram graves irregularidades na gestão da FNL e nos serviços prestados pelo hospital, em meio a uma crise financeira que vem prejudicando seriamente atendimentos em oncologia da população paraibana.
Visando auxiliar a SMS a localizar os pacientes sem o devido atendimento, os autores do documento também divulgaram um formulário para que os pacientes solicitem a inclusão de seus dados em uma lista que será encaminhada àquela Secretaria para o devido agendamento, conforme a recomendação. Acesse aqui o formulário.
Conclusão da CGU
O documento produzido pela CGU conclui que o Hospital Napoleão Laureano possuí “graves falhas e irregularidades que comprometem significativamente a prestação dos serviços médico-hospitalares de oncologia contratualizados pela Prefeitura Municipal de João Pessoa para atendimento de pacientes do SUS de todo o estado da Paraíba”.
“Os testes realizados demonstraram indícios de que o acesso igualitário e gratuito não foi garantido pelo hospital, diversos pacientes iniciaram seus tratamentos oncológicos sem autorização da Central de Regulação da SMS/JP, incluindo realização de pagamentos diretamente ao HNL, em um aparente esquema fura-fila”, citou a CGU no relatório que o ClickPB teve acesso.
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