O uso de medicamentos para cuidados com saúde mental aumentou 18,6% nos últimos dois anos no país. O levantamento, feito com 616.101 pacientes, entre agosto de 2022 e agosto de 2024, mostra que 74% dos medicamentos adquiridos pelos entrevistados eram antidepressivos e 26%, ansiolíticos.
O estudo, realizado pela Sandbox, empresa especializada em análises para o setor de saúde, indica que cada paciente comprou, em média, duas caixas de remédio por mês. O uso de antidepressivos era a realidade de 83% das pessoas. Já os ansiolíticos tiveram queda de 0,6% entre os participantes do banco de dados.
Diogo de Lacerda, um dos coordenadores do Grupo de Referência de Transtornos de Ansiedade e do Humor da Santa Casa de São Paulo, afirma que um dos principais motivos para o aumento do consumo de medicamentos é o crescimento de transtornos mentais na população.
“Hoje, é muito mais fácil buscar ajuda médica e ter acesso a tratamentos do que era no passado. As pessoas estão mais conscientes dos sintomas e estão procurando tratamentos muito mais cedo, o que é positivo, mas também contribui para o aumento do uso de medicamentos”, analisa.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, os ambulatórios da rede pública atenderam 601.675 casos de ansiedade e 195.851 de depressão em 2023. Já no primeiro semestre deste ano, 448.816 pacientes com os transtornos procuraram auxílio no Sistema Único de Saúde (SUS).
A psicóloga Aline Sampaio diz que a ansiedade e a depressão estão ligadas às causas e vivências sociais de cada cultura. “O Brasil, em particular, devido às nossas condições sociais, está no topo do mundo no quesito de sofrimento com ansiedade. Quanto mais dificuldades diárias, mais chance de vivenciar isso”, pontua.
Como funcionam os medicamentos?
O Ministério da Saúde aponta que a depressão é uma doença crônica que demanda tratamento com terapia e medicamento, selecionado de acordo com fatores como o subtipo da doença, antecedentes familiares e características do remédio.
Lacerda explica que os antidepressivos aumentam e regulam a quantidade de neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina e dopamina. Essas substâncias podem equilibrar os níveis de sono, prazer e bem-estar do corpo.
Além disso, eles regeneram as células cerebrais que, normalmente, estão em déficit no organismo das pessoas que passam por quadro de depressão ou ansiedade, como informa o especialista.
Os ansiolíticos, por sua vez, atuam no sistema ácido gama-aminobutírico, que possui efeito calmante, diminuindo a atividade cerebral. Lacerda reforça que o medicamento ajuda a reduzir sintomas da ansiedade.
Sampaio enfatiza que apenas o uso de medicamento pode não ser ideal no tratamento. Ela explica que o psicólogo acompanha, com o paciente, o funcionamento dos remédios. “É preciso entender o motivo da ansiedade e da depressão. É com a terapia que você realmente entende a dificuldade e vai modificando sua vida para que isso passe a ser diferente em seu cotidiano”, conclui.
Dificuldade de acesso
A pesquisa revela que os gastos médios mensais com medicação entre os pacientes aumentaram de R$ 154 e R$ 189. Além disso, o valor médio por caixa de remédio subiu R$ 19,50, cerca de 25,9%.
Lacerda ressalta que o acesso à medicação impacta no tratamento. “É sempre importante pensar em como o paciente vai ter acesso a essa medicação, seja pelo SUS, seja de forma particular, seja qual for a forma, se aquele medicamento está dentro das possibilidades daquela pessoa”, afirma.
Consultas com profissionais e alguns antidepressivos estão disponíveis pelo SUS, o que daria para fazer os tratamentos necessários, segundo o especialista.
Sampaio pontua que a população de baixa renda pode ter dificuldade de acesso aos meios que melhoram a qualidade de saúde mental. “A ida a um psicólogo ou a um psiquiatra de forma particular muitas vezes pode ser sim um artigo de luxo. O mesmo podemos dizer com referência aos planos de saúde que dão acesso para esses profissionais”, diz.
Ajuda desde cedo
Uma grande preocupação é com o uso de remédios desse tipo por parte dos jovens. Estudo da University College London e do Sutton Trust, na Inglaterra, apontou que a quantidade de jovens com problemas de saúde mental duplicou nos últimos 15 anos.
O remédio pode ser fundamental, mas não deve vir sozinho. E a escola ajuda nisso. Psicóloga escolar, Luciana Gigante observa que as exigências em relação aos jovens têm crescido, principalmente para aqueles a partir dos 15 anos, com fatores como Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), vestibulares, as consequências da pandemia, a ansiedade e o desafio de se conhecer.
“Essa fase da vida não é apenas sobre a pressão dos exames, como o Enem e vestibulares. É um período em que os jovens precisam, mais do que nunca, de espaços para dialogar sobre o que sentem, aprender a reconhecer suas emoções e buscar equilíbrio em meio às cobranças externas e internas”, explica Gigante, que trabalha com cerca de 600 estudantes do Colégio Unificado, em Porto Alegre.
Lá, eles criaram o projeto “Laços que cuidam”, com o objetivo de proporcionar “um ambiente acolhedor onde os jovens desenvolvem habilidades emocionais e aprendem a lidar com as pressões acadêmicas de maneira positiva”, como diz o programa.
Na escola SAP, no Rio de Janeiro, o projeto “Seiva” também busca rodas de conversa, trabalhos em grupo e até ioga.
“Na aula de Ioga, o trabalho vai além das posturas. Crianças e jovens aprendem a meditar, respirar e a viver o presente. É uma das formas empregadas para combater a ansiedade e desenvolver a autorregulação“, conta a diretora Luciana Soares.
*Sob supervisão de Leonardo Meireles
Discussion about this post