Dezoito venezuelanos feridos em conflitos com tropas de Nicolás Maduro em uma área da Venezuela próxima da fronteira com o Brasil nos dias 22 e 23 de fevereiro continuam internados no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista, informou nesta terça-feira (5) a Secretaria Estadual de Saúde de Roraima (Sesau).
Conforme o comunicado, 23 venezuelanos chegaram ao hospital entre os dias 22 e 24, 19 deles feridos a tiros e três com marcas de agressão. Dois receberam alta médica e três baleados morreram — entre eles dois indígenas da etnia pemón. Os que seguem internados tem quadro estável.
Os conflitos entre civis e militares ocorreram na comunidade Kumarapakay, em San Francisco de Yuruaní, a 80 Km da fronteira com o Brasil, no dia 22, e em Santa Elena de Uiarén, a 20 km de Pacaraima(RR), no dia 23, ambos na região da Gran Sabana.
Os feridos foram transportados a Roraima em meio ao bloqueio da fronteirapor ordem de Nicolás Maduro e a chegada deles levou o estado a decretar calamidade na saúde pública. “Já estávamos com situação crítica no setor da saúde em Roraima. A partir dos conflitos na Venezuela, esse problema se agravou”, disse o governador do estado Antonio Denarium (PSL).
A Provea, ONG de defesa dos direitos humanos, classificou os conflitos como “massacre da Gran Sabana” e diz que eles deixaram ao todo 7 vítimas – incluindo as três mortes no Brasil – sendo quatro índios pemones e mais de 50 feridos.
Emílio Gonzalez, prefeito de Gran Sabana, que fugiu para Roraima, denunciou 25 mortes e 84 feridos, mas o número não foi avalizado por nenhuma outra autoridade ou instituição. Ele é opositor ao regime de Nicolás Maduro.
Segundo Evencio Sosa, 40, um dos feridos em Kumarakapay, o ataque na comunidade indígena da etnia pemón ocorreu porque as tropas de Maduro tentavam chegar à fronteira do Brasil, o que os índios não queriam permitir. O conflito foi no dia 22.
No centro da tensão estava a tentativa de envio de remédios e comida feita pelo Brasil em cooperação com os EUA a pedido de Juan Guaidó, líder opositor e autoproclamado presidente da Venezuela. Os índios eram favoráveis ao ingresso dos materiais, e as tropas, contrárias.
“Eu estava fazendo a guarda noturna da comunidade, quando a Guarda Nacional chegou, por volta das 4h [na sexta, 22]. Negociamos, e eles se retiraram. Ao voltarem, estavam com três comboios e disseram que iriam passar [rumo à fronteira] de qualquer jeito. Eles tinham ordem de atirar, e foi o que fizeram”, relatou Sosa em entrevista ao G1.
Na sequência ao ataque em Kumarapakay, militares foram sequestrados por índios e a tensão se espalhou até Santa Elena de Uiarén, a 20 Km do Brasil, onde ocorreram enfrentamentos semelhantes. Os moradores também eram favoráveis a entrada da ajuda humanitária pela fronteira.
Segundo uma moradora, a confusão se intensificou perto do meio diado dia 23, quando a população decidiu ir a pé buscar a ajuda humanitária na fronteira do Brasil, mas foi rechaçada pelas tropas. Na noite anterior também ocorreram distúrbios na cidade.
“Não sei se em algum momento os moradores fizeram alguma coisa, mas os guardas começaram a atirar contra as pessoas. Foram jogadas bombas de gás lacrimogêneo. Era muita confusão. Parecia uma guerra”, afirmou.
Dois militares venezuelanos que desertaram e entraram no Brasil no fim de semana relataram ao G1 que receberam ordens para matar os indígenas.
“Ordenaram aos militares que assassinem os índios pemones. São crimes de lesa-humanidade”, disse o sargento José Escalante. “Temos informações que colocaram menores [como militares] e estão soltando presos. Tudo para oprimir o povo”, acrescentou.
José Peñaloza, que também desertou, ainda afirmou que grupos paramilitares aliados ao regime de Maduro foram para Santa Elena para coibir o ingresso dos mantimentos pela fronteira do Brasil.
Mortos
Os três venezuelanos vítimas do conflito que morreram no Brasil foram os indígenas pemones Kliver Alfredo Perez Rivero, de 24 anos, Rolando Garcia Martinez, de 52 anos, baleados em Kumarakapay no dia 22, e o não-indígena Jorge Gonzalez Parra, 40, ferido a tiro em Santa Elena de Uairén, no dia seguinte.
Além deles, segundo a ONG Foro Penal, morreram na Venezuela os índios pemones Zoraida Rodriguez, 45, mulher de Rolando, e Jose Elsy Perez Marquez, 20, além dos venezuelanos José Hernandez, 24, e José Barrios, 23. Os três últimos teriam sido baleados em Santa Elena no dia 23, segundo o jornal venezuelano Caraota Digital.
Internados
Conforme a Secretaria de Saúde de Roraima, os venezuelanos levados ao Hospital Geral do Estado no dia 22 e que continuam internados são: Fidel Gabriel Pulido Fernandez, 36, Geber Alfredo Perez Rivero, 21, Alfredo Perez, 48, Evencio Sosa, 44, Onesimo Rigoberto Fernandez, 48, e Lino Benavides, 34.
No dia 23 foram levados e permanecem no hospital: Carlos Adrian Herrera Bedoya, 16, Carlos Eduardo Farias, 45, Cheo Alexis Fernandez Suarez, 40, Anderson Francisco Rojas Casado, 19, Carlos José da Silva Salazar, 27, e Luis Jose da Silva Salazar, 27.
Já no dia 24, quando chegaram os últimos feridos, foram atendidos e continuam no hospital: Alberto Felício Perez, 41, Emil Gregorio Barreto Ballera, 21, Carlos Eduardo Faria Flores, 33, Dander José Laya Gutierrez, 34, Javier Augustin Pino Alvarez, 26, e Erickson Jesus Viegas Rodrigues, 22.
Eles foram transportados para o Brasil porque não havia insumos para tratá-los no Hospital Rosário Vera Zurita, em Santa Elena. Mergulhados em uma severa crise econômica e política, os venezuelanos sofrem com a crescente escassez de remédios e comida no país.
Fronteira fechada
A fronteira entre Brasil e Venezuela, que separa as cidades de Pacaraima e Santa Elena de Uairén, permanece fechada pelo 12º seguindo dia nesta terça.
O bloqueio na BR-174 é feito desde a noite do dia 21 pela Guarda Nacional Bolivariana, por ordem de Nicolás Maduro, que rejeita ajuda humanitária oferecida pelo Brasil em cooperação com os EUA. Do lado brasileiro também há reforço policial.
Ao anunciar que fecharia a fronteira com o Brasil, Nicolás Maduro afirmou que a passagem entre os países ficaria “fechada total e absolutamente até novo aviso”. A fronteira com a Colômbia, por onde também entraria ajuda, foi igualmente fechada por ordem de Maduro.
O Brasil e a Colômbia reconhecem o presidente autoproclamado Juan Guaidó como líder da Venezuela.
Na segunda (4), Guaidó voltou à Venezuela para participar das manifestações contra o governo de Maduro. Ele foi recebido por uma multidão no Aeroporto de Maiquetía, que atende a capital, e depois foi até uma praça onde era esperado por seus apoiadores.
O retorno do opositor de Maduro contraria ordem judicial que o proibia de deixar o seu país. Durante a última semana, ele se reuniu com os presidentes de Colômbia, Brasil, Paraguai, Argentina e Equador.
G1
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