Dados obtidos pelo Jornal O GLOBO mostram que o sistema de fiscalização eletrônica encolheu de 5,5 mil pontos ativos, em julho de 2018, para cerca de 440 até março deste ano, ao longo dos 52 mil quilômetros de vias administradas pela União.
Em 2016, ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer, o governo federal decidiu abrir um edital para instalar, de forma gradual, 8.015 pontos de monitoramento, o que englobaria tanto novos quanto a renovação de existentes. Um único radar pode cobrir mais de um ponto de fiscalização, como mais de uma faixa de uma pista. Foi esse serviço que o presidente Bolsonaro suspendeu.
A maior parte dos pardais se tornou inativa porque os contratos de manutenção e funcionamento venceram, sem que o governo admitisse novos prestadores do serviço. Em 7 de março, Bolsonaro havia dito pela primeira vez que cancelaria a instalação de novos equipamentos para combater o que chamou de “indústria da multa”.
Mapa dos acidentes
Minas Gerais, que tem a maior malha rodoviária do país, foi o estado que registrou o maior número de acidentes no ano passado, 9.040, segundo a Polícia Rodoviária Federal, de um total de 69.114. Também é o local com mais pontos de monitoramento suspensos: 1.132. No Rio de Janeiro, por sua vez, ocorreram 4.557 acidentes e 236 pontos de fiscalização foram suspensos.
A medida pegou de surpresa a área técnica do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O órgão considera que a presença dos radares contribuiu para redução de 24,7% no número de mortes nas vias federais entre 2010, quando o governo implantou o Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade, e 2016. Passou de de 7.083 para 5.333 óbitos no período. A quantidade de desastres também caiu, de 191.161 para 95.965, uma queda de 47%.
Para Michelle Andrade, doutora na área de transportes e professora da Universidade de Brasília (UnB), a medida do governo é “precipitada”:
— A gente sabe a partir do nosso histórico e das experiências internacionais que o controle de velocidade é uma medida importante para reduzir a violência no trânsito. Em vez de retirar os equipamentos, devia melhorar a fiscalização e também investir em educação e infraestrutura no trânsito.
Segundo o Dnit, a decisão de instalar os 8.015 pontos de monitoramento foi tomada após estudos técnicos detalhados e ampliaria a segurança das rodovias federais, que registram cerca de 5,5 mil mortes por ano, além de trazer um incremento para os cofres públicos a partir das multas aplicadas a infratores. Quase todas as empresas que executariam a reativação ou instalação dos radares já estavam contratadas, pelo valor de R$ 852 milhões. A renovação de toda a rede custaria R$ 1,029 bilhão.
O edital do governo dividiu as rodovias do país em 24 lotes, dos quais 18 lotes estavam com contratos fechados. Haveria instalação de equipamentos em todos os estados da federação e no Distrito Federal, segundo detalhamento obtido pelo GLOBO. A definição dos locais foi objeto de estudo do Dnit ao longo de dois anos, para garantir que a presença dos radares teriam maior efetividade na redução dos acidentes.
O empenho do Brasil na redução de desastres foi reforçado por um compromisso assumido com as Nações Unidas, no âmbito da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, de reduzir em 50% os acidentes de trânsito entre os anos de 2011 a 2020. Especialistas alertam que a decisão do governo de suspender radares vai dificultar o cumprimento do pacto firmado com a ONU.
Segundo Arthur Froes, superintendente de Operações da Seguradora Líder, responsável pelo pagamento do seguro DPVAT a vítimas de acidentes no trânsito, os números mostram a grave realidade das vias no Brasil. Entre e janeiro a dezembro de 2018, foram pagas 328.142 indenizações. O número é considerado elevado, embora tenha havido redução de 15% em relação ao ano anterior.
— Esses dados devem servir de suporte para a construção de políticas de prevenção e educação no trânsito pelos governos. O cenário reforça a importância de se investir cada vez mais em conscientização, melhorar a formação de motoristas, e intensificar a fiscalização em todos os estados do Brasil — afirma Froes.
Em transmissões ao vivo na internet, Bolsonaro criticou a existência dos pardais, resumindo seu papel à cobrança de multas. No último sábado, ele detalhou sua proposta ao anunciar que cancelaria os pontos de monitoramento planejados por Temer.
Para Michelle Andrade, a chamada “indústria da multa” não existe de fato:
— A gente achar que é o Dnit que está atuando para promover a indústria da multa não é verdade. O governo não tem que pensar em retirar a fiscalização, mas em reforçar a educação no trânsito e a infraestrutura das vias. Assim vamos desmistificar a indústria da multa.
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