Reforma encolhe mas tem impacto
A reforma aprovada ontem em primeiro turno no Senado permitirá uma economia em torno de R$ 700 bilhões em 10 anos, mas é a mais ampla já feita. Não será suficiente para resolver a equação da Previdência, assunto que voltará a nos incomodar no próximo governo. Ela tem o avanço da idade mínima, mas reduziu muito menos as desigualdades do que dizia. E manteve diferenças e privilégios, como para os policiais federais e os funcionários que têm mais de 16 anos de serviço público.
O Itaú prevê uma economia de R$ 688 bilhões em dez anos sem contar o aumento da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que a rigor não é redução de despesa mas sim aumento de receita. Se contar com a CSLL que incidirá sobre o setor financeiro, o ganho subirá para R$ 738 bilhões. A consultoria MB Associados repete o que já vinha dizendo, que ficaria entre R$ 700 bilhões e R$ 800 bilhões.
A maior perda no Senado foi a do abono salarial. Alguém pode pensar que isso é justo já que atinge apenas quem recebe até dois salários mínimos. O governo havia proposto até um salário mínimo. Foi para 1,4. E o Senado retornou a regra vigente, anulando qualquer mudança. Um integrante do governo explica assim a situação criada.
— Você esquece o informal, esquece o desempregado e gasta R$ 20 bilhões por ano com quem está empregado, com todos os direitos, e recebendo até dois salários mínimos. Esse valor é mais da metade do que o governo gasta com o Bolsa Família — diz.
O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, afirma que a melhor métrica não é a economia em dez anos, como o governo faz, mas sim a projeção de déficit primário num prazo longo.
— Em 2018 tivemos um déficit de 1,8% do PIB. Sem a reforma da Previdência, em 2027 teríamos um déficit de 2,6% do PIB. O projeto aprovado pelo Senado traz um ganho de 1,5 ponto do PIB em 2027. Ou seja, o rombo projetado cai para 1,1%. A MP antifraude economiza 0,3 ponto do PIB, isso faz com que a projeção do resultado negativo caia para 0,8% — explicou.
Ele conclui que a reforma é fundamental, mas não suficiente, e o país precisa continuar olhando suas despesas para reduzi-las. No governo se diz que há avanços que não são fáceis de medir.
— Existe um ganho mais sutil com a redução da judicialização. Hoje 17% das despesas previdenciárias têm origem judicial. Corresponde a R$ 109 bi. Haverá uma redução da competência delegada para a Justiça estadual. Vai continuar existindo a judicialização? Sim, mas menor. Por outro lado, propusemos a fixação do critério do BPC, e o Senado derrubou. Os parlamentares preferiram abrir mão do direito de legislar, entregando a decisão para os juízes, e hoje 30% do BPC são concedidos por decisão judicial com critérios diferentes entre si — disse um integrante da equipe econômica.
Com perdas e ganhos, o fato é que esta é a primeira reforma da Previdência que muda o sistema de pensões do setor público e do setor privado ao mesmo tempo. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, avalia que o avanço é importante:
— É a primeira que mudou pontos difíceis, como a idade mínima. Mesmo assim, muito provavelmente vamos discutir outra reforma da Previdência no próximo governo, ou seja, esse assunto está longe de se esgotar. A questão fiscal no Brasil terá um longo processo de discussão.
A reforma teve de fato muitos ganhos, mas perdeu substância e economia no meio do caminho.
— O projeto original previa um ganho fiscal em 10 anos de R$ 1,253 trilhão. Na Câmara, caiu para R$ 865 bilhões, agora no Senado caiu para R$ 738 bi, e se a gente tirar da conta a receita com a CSLL fica em R$ 688 bilhões em 10 anos — diz Pedro Schneider.
Mais do que isso. Perdeu-se conceito. O nome “Nova Previdência” ficou sendo apenas uma marca de fantasia. A velha tem agora novos parâmetros e alguns dos mesmos defeitos. Os servidores que entraram antes da reforma do ex-presidente Lula, em 2003, ou seja, que têm hoje mais de 16 anos de serviço público, continuarão tendo integralidade e paridade. A proposta era que eles cumprissem a mesma idade mínima, mas ela foi reduzida na Câmara. Os policiais federais estão inconformados, mas os que trabalham hoje se aposentarão com 52 e 53 anos. Cedo demais para receber um benefício do Estado num país tão desigual.
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