A mão que diz pare e pense
Por Marcelo Barreto
Chega. A mão espalmada estampada nas camisetas que Marcão e Roger Machado usaram para entrar em campo com os jogadores de Fluminense e Bahia no jogo deste sábado representa o gesto de quem não aguenta mais. Os dois únicos técnicos negros da Série A do Campeonato Brasileiro literalmente vestiram a camisa da luta contra o preconceito no futebol.
A iniciativa partiu de um convite feito via Twitter por Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que já tinha conseguido divulgar o símbolo nos uniformes de alguns times — o mais recente foi a terceira camisa do Santos. Com Bahia e Fluminense, meu xará acertou na mosca: são dois clubes ativos nas redes sociais, e não apenas na relação com seus torcedores, mas também com a comunidade. Toparam de imediato, e o próprio diálogo virtual entre eles já serviu para impulsionar a divulgação.
O Observatório vai disponibilizar para download esta semana seu relatório anual de casos de discriminação no esporte. Em 2018, foram 79 envolvendo o futebol — 71 no Brasil e oito com brasileiros no exterior. O racismo é líder isolado desse triste ranking, com 52; os outros foram machismo (16), xenofobia (sete) e LGBTfobia (quatro). As principais vítimas são os jogadores, 33 só entre as ofensas racistas. Só é possível tabular episódios que foram denunciados ou relatados pela imprensa, o que leva a crer que a realidade é muito maior do que a amostra.
As ofensas vêm de todos os lados. Jogadores e torcedores adversários são os agressores mais frequentes, mas num dos casos relatados, o autor estava dentro de casa: um vídeo dos brasileiros Luiz Adriano, Pedro Rocha e Fernando, então no Spartak de Moscou, se aquecendo antes do treino foi publicado no Twitter com a legenda “Vejam como chocolate se derrete sob o sol”. O chefe de comunicação do clube foi multado pela Federação Russa em 20 mil rublos — o equivalente, hoje, a R$ 1.280,00. É um episódio ilustrativo de como conivência e impunidade formam o caldo de cultura da intolerância no futebol. As penas brandas são mais fáceis de criticar — até porque caem na conta dos órgãos oficiais, a quem gostamos de repassar responsabilidades. Mas e quando a culpa não é tão evidente, como no caso do Spartak?
“Os clubes devem se sentir responsáveis pelo que acontece, porque certos episódios ocorrem dentro de um espaço fechado ou de um estádio. E quando digo ‘responsável’, não quero dizer ‘culpado’. As pessoas devem dizer: ‘Somos responsáveis. O que podemos fazer?’ Se você admitir ser responsável, é um bom começo, porque não acontece novamente. Se, em vez disso, ninguém se sente responsável… Nada muda”.
Ao ler essa reflexão do ex-jogador Lilian Thuram, campeão mundial pela França em 1998, na introdução do relatório do Observatório, pensei que vestir a camisa, como fizeram Fluminense e Bahia, é só o primeiro passo, um alerta de que é preciso olhar para dentro e refletir sobre o que fazemos e deixamos de fazer na luta contra o preconceito. Aí me lembrei de que a bancada do “Redação SporTV” — que passa pela minha supervisão, como editor-chefe do programa — não tem um negro entre os comentaristas fixos.
Somos responsáveis. O que podemos fazer?
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