Os novos números da desigualdade
Por Míriam Leitão
Os números impressionaram até especialistas. Os dados divulgados ontem pelo IBGE sobre o aumento da concentração de renda no país em 2018 mostram que na renda houve uma estagnação profunda e dispersa pelo país, mas a desigualdade aumentou ainda mais no Sudeste do que em outras regiões. Os 30% mais pobres perderam renda. O grupo que está no 1% mais rico teve ganhos.
— Os dados mostraram que na renda todas as regiões estão parecidas, o país está agora no mesmo nível que em 2014. Na desigualdade, em boa parte das regiões, estava em 2018 pior do que em 2012. O retrocesso é maior do que na renda. Mas o que me chamou a atenção foi o padrão regional diferente. O Sudeste foi muito mal. A desigualdade teve uma piora muito pronunciada na região. A gente sempre trabalhou com o fato de que o Nordeste é mais pobre e mais desigual — disse o economista Pedro Ferreira de Souza, do Ipea, especialista neste assunto.
O Brasil sempre foi desigual, teve uma melhora tênue e breve, entre 2001 e 2012. O problema tem sido mal medido, por problemas como o da subnotificação da renda dos mais ricos, fenômeno que acontece em vários países. Numa pesquisa amostral, dificilmente quem está no topo diz quanto ganha, principalmente de renda financeira.
Portanto, a má notícia completa é: o Brasil que sempre foi desigual, ficou ainda mais desigual na crise, e o problema pode estar subestimado. A boa notícia é que o IBGE vem melhorando suas estatísticas ao englobar não apenas a renda do trabalho mas várias outras rendas no cálculo, como aposentadorias, pensões, doações, aluguéis. Outra boa notícia, segundo o economista, é que na Pnad de 2018, divulgada ontem, o órgão recuou esses dados mais completos até 2012, o que dá uma série para comparação.
Ele chama a atenção para o fato de que a tabela de 2017 para 2018 revelou que a renda dos 30% mais pobres caiu, em termos reais, e a dos mais ricos aumentou, sendo que subiu mais para quem está no grupo do 1% mais rico:
— São duas coisas preocupantes. A renda do trabalho dos 30% mais pobres cair significa aumento da pobreza, ou seja, não só a recuperação está sendo muito tímida como ela não está chegando aos mais pobres, pelo contrário, eles estão piorando. Por outro lado está sendo muito bom para o 1% mais rico, mesmo que não se tenha o rendimento de capital.
O Brasil está indo na contramão do que precisa, alerta Pedro Ferreira de Souza. E quando se vê a renda estagnada e a desigualdade aumentando, sem qualquer perspectiva de uma retomada econômica sustentada, firma-se a ideia de que esta é outra década perdida.
Por onde começar a enfrentar o problema? Há tanto trabalho a fazer nessa área que é difícil escolher, mas o economista lembra que, como está sendo discutida uma reforma tributária, seria bom incluir esta preocupação:
— Um instrumento válido para se fazer neste momento é uma reforma tributária que compartilhe o peso da crise de forma mais igualitária. O Brasil pode melhorar a progressividade dos impostos. Se esse é o grupo que está se beneficiando, vamos mudar o sistema e tirar o peso dos impostos indiretos, tributando mais a renda e o patrimônio. E de outro lado, redirecionar mais os gastos para beneficiar os mais pobres.
As duas propostas que estão tramitando no Congresso têm, segundo ele, algumas boas ideias, mas não têm a proposta de tributar menos o consumo. Ele acha que considerar lucros e dividendos como rendimento tributável seria o primeiro passo. Quando fala em tributação sobre patrimônio, o economista lembra dois fatos: o IPTU arrecada menos do que o IPVA, e no Brasil o ITR arrecada muito pouco, apesar de o país ser uma potência agrícola:
— Se o agro é pujante, poderia pagar mais. Não dá para ter o mesmo discurso de que é o motor do Brasil, mas se cobrar imposto do setor ele quebra.
Por que o Brasil é desigual assim? Nisso não há surpresa. Ele lembra que o país tem acesso desigual à terra, teve escravidão, errou na urbanização, nunca investiu o suficiente em educação, em saneamento, sempre teve um sistema baseado na proteção dos grandes conglomerados, favorecendo grandes empresas com subsídios e empréstimos para setores privilegiados. “Seria estranho se não fosse desigual”, diz o economista.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
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