A equipe econômica liderada por Paulo Guedes terá de promover um ajuste fiscal de aproximadamente R$ 300 bilhões para deixar as contas públicas no azul e conseguir estancar o endividamento do país.
O montante, calculado por bancos e consultorias ouvidos pelo G1, é o esforço que o Brasil tem de fazer para sair da atual situação de déficit e voltar a registrar um superávit primário (a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública, quando as receitas superam as despesas) capaz de impedir o aumento da dívida bruta.
Neste ano, a meta do governo – definida ainda pela gestão Michel Temer – é de um déficit primário de R$ 132 bilhões (ou 1,8% do PIB). Na conta dos economistas, apenas um superávit primário superior a 2% do PIB vai ser suficiente para controlar a dívida bruta – um importante indicador da qualidade das contas públicas e bastante analisado pelas agências de classificação de risco na avaliação das notas de crédito dos países.
Desde 2014, a economia brasileira tem colhido sucessivos déficits, o que levou a um aumento acelerado da dívida do país. O Brasil perdeu o grau de investimento em 2015.
Hoje, os analistas estimam que, se todas as medidas necessárias forem implementadas, a estabilização da dívida só deve ocorrer em meados da próxima década, por volta de 2025. “O país precisa de uma virada fiscal muito grande”, afirma Gabriel Leal de Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI). “Não será apenas uma medida que fará todo o ajuste.”
O tamanho do esforço fiscal necessário também fica evidente quando comparado a outros gastos do governo. Ele é equivalente a 10 vezes o orçamento anual do Bolsa Família, por exemplo. Se o país não conseguir endereçar a questão fiscal, a percepção de risco com o Brasil tende a piorar, o que pode deixar a retomada do grau de investimento ainda mais distante.
Ao longo da campanha, o presidente Jair Bolsonaro prometeu zerar o déficit logo no primeiro ano de governo. De fato, segundo economistas, o desempenho fiscal de 2019 até pode ser impulsionado por questões pontuais – como receitas provenientes de cessão onerosa e leilões de petróleo –, mas não ainda pelo impacto direto de medidas fiscais mais estruturais.
Agenda longa
A reforma da Previdência é a que tem mais capacidade de trazer benefícios fiscais no longo prazo, mas sozinha é insuficiente para o tamanho do ajuste necessário. Os analistas avaliam que também será preciso alterar a regra de ganho real do salário mínimo, evitar qualquer tipo de aumento para o funcionalismo público, promover a reoneração da folha de pagamentos, e rever as renúciais fiscais e uma série de benefícios sociais (veja detalhes na arte).
“Revisar os gastos do governo como abono salarial e seguro-desemprego é importante. Mas a parte estrutural, o que causa o desequilíbrio, é a baixa idade de aposentadoria e a vinculação dos benefícios ao salário mínimo”, afirma Pedro Schneider, economista do banco Itaú.
A expectativa é que o governo encaminhe uma proposta de reforma da Previdência ao Congresso em fevereiro. Por ora, a equipe econômica já indicou que pode adotar um regime de capitalização e avalia uma proposta de transição que soma idade e tempo de contribuição.
Já a regra do reajuste do salário mínimo deve ser decidida até abril,quando o governo precisa definir a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO). A regra atual contempla o resultado PIB de dois anos antes mais a variação da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do ano anterior. Neste ano, o mínimo teve ganho real de 1,14%.
A mudança da regra do salário mínimo tem potencial para produzir impacto relevante para as contas do governo, de acordo com os economistas, porque ele indexa vários beneficios. Na Previdência, por exemplo, 70% do que é pago tem como base o valor do mínimo. “Contendo esse reajuste, o governo pode fazer uma economia relevante para os próximos anos”, afirma Rodolfo Margato, economista do banco Santander.
Problema é estrutural
O descompasso fiscal brasileiro se tornou um problema estrutural ao longo das últimas décadas. A despesa do governo crescia em média 6% ao ano antes da adoção do teto de gastos – medida que impede o avanço das despesas acima da inflação. E há um agravante adicional: cerca de 90% do orçamento do governo é engessado, o que limita a margem de manobra do governo para cortar gastos em períodos de necessidade.
“O crescimento das despesas sempre foi muito robusto, independentemente do governo. Era algo insustentável, incompatível com a riqueza que o país produz, que é o PIB”, afirma Barros, da IFI.
Nas vezes em que teve de fazer outros ajustes fiscais, o governo sempre pôde recorrer ao aumento de tributos para compensar o avanço da despesas. Essa fórmula, no entanto, não funciona mais, já que o Brasil tem um carga tributária muito elevada para países considerados em desenvolvimento.
“O ajuste fiscal pode ser feito pelo lado da despesa, da receita ou dos dois. Dado que o Brasil tem uma alta carga tributária para um país em desenvolvimento, a melhor composição é fazer pelo lado do gasto”, diz Schneider, do Itaú. “E esse tipo de ajuste é sempre gradual, sobretudo no Brasil, em que 90% dos gastos são obrigatórios.”
Com G1
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