Um edital colocado em consulta pública pelo Banco Central no último dia 17 exclui parentes de autoridades do rol de pessoas cujas movimentações financeiras são monitoradas com “especial atenção” pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O Coaf é o órgão do governo responsável produzir “inteligência financeira e promover a proteção dos setores econômicos contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo”. No atual governo, o órgão está sob a responsabilidade do Ministério da Justiça, comandado por Sérgio Moro. Anteriormente, ficava na área de atuação do Ministério da Fazenda (convertido neste ano em Ministério da Economia).
A regra atual diz que as instituições financeiras e empresas reguladas pelo Coaf “devem dedicar especial atenção às operações ou propostas de operações envolvendo pessoa exposta politicamente, bem como com seus familiares, estreitos colaboradores e ou pessoas jurídicas” (veja ao final desta reportagem a lista de quem o texto classifica como autoridades consideradas politicamente expostas, familares e estreitos colaboradores).
No texto da consulta pública do BC, a parte da regra atual que diz que o Coaf a referência aos parentes e colaboradores de autoridades foi suprimida.
Segundo o Banco Central, a exclusão de familiares e colaboradores da lista é uma forma de ampliar o controle. De acordo com o BC, ao analisar movimentações suspeitas, os bancos passarão com isso a considerar qualquer pessoa. Mas o BC admite manter os parentes na lista se durante a consulta pública chegar à conclusão de que essa alternativa deixa mais clara a intenção de se intensificar o combate à lavagem de dinheiro.
Em nota à imprensa, o Banco Central informou que a proposta de regulamentação “não isenta os bancos de monitorar transações suspeitas de parentes de pessoas politicamente expostas (PPE)”. “Na verdade torna mais rígidos, abrangentes e eficientes os controles das instituições financeiras para a prevenção à lavagem e dinheiro e ao financiamento do terrorismo”, diz a nota.
De acordo com o Banco Central, a norma atende às recomendações do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) e está alinhada às boas práticas internacionais. O Gafi, explicou o BC, é o principal organismo internacional sobre prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e congrega mais de 200 países.
Segundo o Banco Central, após a consulta pública, que termina em 18 de março, a estimativa é de publicação da norma no decorrer de 2019, para entrar em vigor em 2020.
Sem limite para comunicação
No edital colocado em consulta pública, o Banco Central também derruba a exigência de valor mínimo para comunicação ao Coaf em relação a movimentações financeiras.
Atualmente, a regra diz que transações realizadas por pessoas físicas ou jurídicas que no período de 30 dias superem R$ 10 mil devem ser comunicadas ao Coaf, assim como solicitação de transferência de recursos, em valor igual ou superior a R$ 5 mil, mediante pagamento em espécie pelo remetente ou por meio de cheques de vários emitentes.
A proposta em análise remove esse limite e estabelece que qualquer operação, de qualquer valor, pode ser considerada suspeita.
O BC informou que a nova regra estipula que as análises “não deverão se ater apenas a determinados valores ou pessoas. As instituições terão que monitorar e analisar todas as transações financeiras, independentemente de valor ou do tipo de pessoa, e reportar tudo o que for suspeito”.
Atualmente, depósitos e saques em dinheiro vivo de R$ 50 mil ou mais já devem ser comunicados. O texto mantém esse valor.
De acordo com o BC, não há sentido em “sinalizar um limite de valor para a comunicação, mas sim deixar claro que operações suspeitas de qualquer valor devem ser comunicadas, o que amplia o escopo de comunicações relevantes”.
O Banco Central diz que a proposta “aperfeiçoa o modelo de abordagem interna de risco das instituições, que deverá considerar, entre outros pontos, a classificação de risco dos clientes, dos produtos e de terceiros contratados”.
Repercussão
Para o presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais, Marcos Camargo, a medida pode abrir brecha para transações “escusas” passarem despercebidas pelos órgãos de controle.
“Se ela deixa de constar dessa lista, somente aquilo que for considerado suspeito é que passaria a ser monitorado. E isso poderia abrir uma brecha para que algumas transações escusas pudessem passar despercebidos pelo controle. Há um histórico de várias empresas de parentes, de pessoas que têm o poder político, que tem a possibilidade então de estar com algum tipo de poder pra fazer essa contratação, e que acaba então se beneficiando disso, e esse dinheiro superavitário, depois, ele vai ser então, ocultado e depois introduzido novamente no mercado”, afirmou.
A Associação dos Delegados da Polícia Federal também criticou a norma em discussão, argumentando que, se for colocada em prática, será um “retrocesso”.
“Pela nossa experiência na investigação, já ficou comprovado ao longo dos anos que a utilização desse tipo de pessoa para ocultação de bens, de dinheiro provindo do crime é muito recorrente. Até por isso que lá atrás isso foi incluído no decreto. então é um prejuízo para a investigação, um prejuízo pro controle e pra fiscalização”, afirmou Edvandir Felix de Paiva, presidente da entidade.
Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros defendeu a proposta, afirmando que o propósito do Banco Central é aperfeiçoar o combate à corrupção com a racionalização das normas. A AMB afirmou ainda que a norma parece buscar equilíbrio entre a eficiência das regras de controle com menor dano ao cidadão. A entidade disse entender também que a abertura para consulta pública revela o propósito de melhorar o sistema, porque o importante é manter o rigor e aprimorar o combate à corrupção.
Em Davos, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que o governo ainda vai avaliar o assunto.
G1
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