Quase meio milhão de crianças passou a viver na pobreza extrema no país apenas no ano passado. O Brasil tinha 5,253 milhões de crianças de até 14 anos vivendo em situação de miséria – suas famílias as sustentavam com uma renda domiciliar per capita de apenas U$ 1,90 por dia, o equivalente a R$ 140 por mês por pessoa. Isso significa um aumento de 10% na comparação a 2016, o correspondente a 470 mil crianças a mais.
Os números constam na Síntese de Indicadores Sociais, referente a 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os indicadores da pesquisa mostram que 12,5% crianças de zero a 14 anos viviam na pobreza extrema no ano passado, ante 11,4% no ano anterior. O primeiro ano de recuperação da economia, portanto, não foi acompanhado pela melhora de vida no país.
Especialistas afirmam que a miséria tem implicações especialmente devastadoras sobre os mais jovens. Além da fome e de problemas de saúde, a miséria aumenta a probabilidade de uma criança ser colocada para trabalhar, de modo a complementar a renda da família. O acesso à educação de qualidade tende a ser baixa, assim como as chances de se conseguir um
Os números já eram assustadores. E agora se agravaram”, diz Heloisa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq, que se dedica a promover a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. “A pobreza na infância tem um efeito geracional e compromete o desenvolvimento individual. A miséria é acompanhada de ausência de moradia adequada, de assistência saúde, alimentação. É multidimensional.”
A pedido do Valor, o IBGE detalhou a variação da extrema pobreza entre crianças de cada região do país. Das 470 mil crianças que entraram na miséria no país, 271 mil estão no Nordeste. Somente na Bahia foram 109 mil jovens a mais na miséria. Em Pernambuco, a pobreza extrema entre crianças de zero a 14 anos cresceu 14% – 52 mil crianças a mais. O único Estado nordestino que não teve piora foi a Paraíba.
Das demais grandes regiões do país, o número de crianças miseráveis aumentou fortemente no Centro-Oeste (41%) e no Sul (21%). Apesar dos percentuais expressivos nesses duas regiões, elas apresentam as menores proporções de crianças vivendo com no máximo US$ 1,90 por dia – 6% e 4%, respectivamente. Mesmo assim, os dados surpreendem porque o agronegócio tem peso relevante na atividade econômica dessas regiões e foi responsável pelo crescimento da economia brasileira em 2017.
André Simões, gerente do IBGE, lembra que, apesar do papel no crescimento do PIB do ano passado, a agroindústria não pode ser considerada uma importante empregadora. “A agroindústria emprega pouco e reduziu número de pessoal ocupado no ano passado”, disse Simões, referindo-se ao fechamento de 434 mil vagas na atividade de agricultura, pecuária e produção florestal em 2017 em relação ao ano anterior.
No Sudeste, o número de crianças vivendo com até US$ 1,90 por mês cresceu 10% e chegou a 1 milhão. São Paulo tinha 415 mil jovens na miséria em 2017, 55 mil mais que no ano anterior. O crescimento também foi grande no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, de 17% e 30%, respectivamente. Essa pobreza urbana está marcada nas periferias e nas favelas das cidades, e seu avanço está diretamente relacionado ao ciclo recessivo no país.
A região Norte, por sua vez, foi onde a pobreza extrema entre crianças cresceu menos na passagem de 2016 para 2017. A região tinha 818 mil crianças de zero a 14 anos vivendo com menos de US$ 1,90 por dia no ano passado, aumento de 0,7% frente ao ano anterior. O resultado local não foi pior que o das demais regiões por causa do incremento da renda domiciliar per capita (todas as fontes) registrada nos Estados de Amazonas e Tocantins.
Para Heloisa, da Abrinq, a redução da pobreza depende de medidas para além da expansão dos benefícios do Bolsa Família. Para ela, a miséria precisa ser enfrentada para além da limitação da renda.
“É preciso identificar uma região com pobreza e priorizar políticas públicas para esse conjunto. Não é só Bolsa Família, é também priorização na política pública para educação, assistência social, saúde, saneamento básico. A pobreza vem com tudo isso.”
A pesquisa não apresentou dados de anos anteriores a 2016 devido a uma série de mudanças metodológicas e de abrangência de amostra. Sabe-se, contudo, que a pobreza e a desigualdade viveram um década de declínio dos anos 2000 até o início desta década. Foi um período de crescimento econômico, geração de empregos e expansão de programas de transferência de renda.
Para Pedro Herculano de Souza, técnico de planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a situação fiscal dificultou a adoção de medidas para amortecer o aumento da pobreza no país, como de programas sociais. Ele lembra que na crise de 2009 foi possível adotar medidas como a prorrogação de parcelas do seguro-desemprego.
“Desta vez, o espaço fiscal é outro. Em situações normais, o governo poderia ter lançado mão de medidas anticíclicas, como expandir o Bolsa Família”, disse Souza, para quem a redução da pobreza dependerá, portanto, da melhora da economia e do mercado de trabalho. “Estamos no início de uma recuperação. É cedo para reverter a tendência. Espero que os números de 2018 mostrem melhora.”
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