Um relatório enviado pelo Coaf ao Ministério Público do Rio dois dias depois de o site The Intercept Brasil começar a divulgar mensagens atribuídas a autoridades da Lava-Jato aponta que o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) fez “movimentações atípicas” de R$ 2,5 milhões em sua conta bancária entre 2 de abril de 2018 e 28 de março de 2019. Miranda é casado com o jornalista Glenn Greenwald , editor do Intercept.
A partir do documento, o Ministério Público do Rio abriu uma investigação sobre as movimentações de Miranda. Nesta terça-feira, conforme antecipou o colunista Lauro Jardim , a 16ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, barrou a tentativa do MP de quebrar o sigilo fiscal e bancário do deputado. Em despacho de sete páginas que decretou o segredo de justiça do caso, o juiz Marcelo da Silva pede que o deputado e outras quatro pessoas, entre assessores e ex-assessores dele, sejam ouvidos antes de qualquer ação cautelar. “Entendo prudente postergar a análise do pleito para o momento posterior à instauração do contraditório”, escreveu Silva.
Procurado pelo GLOBO, Miranda afirmou, através de sua equipe, que o cargo de deputado não é a sua única fonte de renda e, portanto, “as movimentações são compatíveis com sua renda familiar”. O deputado recebe R$ 33,7 mil de salário. Ele afirmou que depósitos fracionados detectados pelo Coaf vêm dessa outra fonte, uma empresa de turismo da qual é sócio com Glenn Greenwald. Ele, porém, não informou os serviços prestados pela companhia e, por meio de sua assessoria, disse que os demais esclarecimentos seriam prestados no Judiciário.
O relatório do Coaf sobre Miranda foi feito em meio a uma investigação que apurava supostas ilegalidades em gráficas no município de Mangaratiba, na região metropolitana do Rio, e não tem relação direta com ele. O deputado contratou os serviços de uma das empresas investigadas e, por isso, acabou tendo as movimentações financeiras em sua conta enviadas pelo Coaf ao MP.
No período analisado, o Coaf aponta que R$ 1,3 milhão entrou na conta corrente do parlamentar, registrada em uma agência do Banco do Brasil em Ipanema, na Zona Sul do Rio. As saídas da conta somaram R$ 1,2 milhão no mesmo período. A movimentação considerada atípica pelo órgão não significa que tenha sido identificada uma ilegalidade. O deputado alega receber na conta o salário de parlamentar e valores oriundos de uma empresa na qual é sócio com Greenwald.
O Coaf informa no relatório que considera “suspeita de ocultação de origem” uma série de depósitos de valores que giravam entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil, feitos em espécie. Os analistas do órgão destacam no relatório o fracionamento dos depósitos e também a existência de repasses de funcionários do gabinete ao deputado.
Suspeita de Rachadinha
Quatro assessores e ex-assessores de Miranda também tiveram a quebra do sigilo pedida pela 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Capital ao Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) na 16ª Vara de Fazenda Pública, porque foram identificados depósitos deles na conta de Miranda. Para investigadores, existe a suspeita de um esquema de “rachadinha”, de devolução de parte dos salários ao parlamentar. Os pedidos do Ministério Público de quebra de sigilo foram negados pela Justiça, ao menos até que os depoimentos sejam tomados.
Estão incluídos no pedido de quebra de sigilo Reginaldo Oliveira da Silva e Silvia Mundstock, que atualmente trabalham no gabinete de Miranda na Câmara dos Deputados, em Brasília. O trabalho de ambos foi iniciado em fevereiro deste ano, quando o parlamentar assumiu o mandato após a desistência do colega de partido, Jean Wyllys.
O MP ainda pediu a quebra de sigilo fiscal e bancário de Camila Souza Menezes e Nagela Rithyele Pereira Dantas, que desde o início do ano estão lotadas na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) nos gabinetes das deputadas estaduais Renata Souza e Mônica Francisco, ambas do PSOL, mesmo partido de Miranda. A investigação apura a “prática de improbidade administrativa”, delito da esfera cível.
Também foi aberta uma investigação sobre suposto crime de peculato e lavagem de dinheiro, mas, como Miranda é deputado federal, esse procedimento foi remetido da 24ª Promotoria de Investigação Penal para a Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
Miranda nega irregularidades. À Justiça Eleitoral, ele declarou participar da sociedade da Enzuli Management (nos Estados Unidos) e da Enzuli Viagens e Turismo (no Brasil). O deputado é dono de 18,75% da companhia americana e de 1% da brasileira, e ambas também têm participação do jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil.
Ao pedir quebra de sigilo, o MP apontou a movimentação atípica de R$ 2,5 milhões e “possível evolução patrimonial incompatível com a do então vereador municipal”.
Na eleição passada, em 2018, Miranda declarou à Justiça Eleitoral que era dono de um patrimônio de R$ 353,4 mil, dos quais quase 20% eram referentes a um carro e o restante a investimentos em renda fixa e quinhões de capital. Já na eleição de 2016, o patrimônio declarado era de R$ 74.825,00.
O Globo
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