O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou nesta quarta-feira (3), durante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que o governo gastou no ano passado dez vezes mais com a Previdência Social – que ele classificou como o “passado” – do que com Educação – o “futuro” na visão dele.
Guedes compareceu à CCJ para prestar esclarecimentos aos deputados sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência. A audiência estava prevista para a semana passada, mas foi adiada. Guedes desistiu de comparecer naquela ocasião porque ainda não havia definição de um relator para a PEC e porque havia a possibilidade de ficar exposto às críticas de oposicionistas.
“Gastamos R$ 700 bilhões ano passado com a Previdência, nosso passado, e R$ 70 bilhões com educação, nosso futuro. Gastamos dez vezes mais com a Previdência do que com nosso futuro”, declarou.
O ministro afirmou ainda que a “dimensão fiscal” do problema previdenciário, ou seja, o impacto nas contas públicas, é “incontornável”.
“A principal componente de alta dos gastos foi com pessoal e, dentro disso, o elemento do déficit galopante tem sido a Previdência”, acrescentou.
Ele observou, ainda, que a população brasileira ainda é relativamente jovem e, mesmo assim, as despesas previdenciárias já são elevadas.
“Existem sistemas que quebraram, a Grécia, e estamos vendo o exemplo de Portugal. Imaginamos como não deve estar o problema previdenciário na Venezuela hoje. Dimensão fiscal é inescapável”, disse.
Guedes usou diversas vezes o termo “perverso” para se referir ao sistema de previdência brasileiro. “Financiar a aposentaria do idoso desempregando trabalhadores é, na minha opinião, uma forma perversa de financiar o sistema. É, do ponto de vista social, uma condenação”, disse.
E acrescentou: “É um sistema perverso, 40 milhões de brasileiros estão excluídos do mercado formal, não conseguem ter capital, porque foram expulsos, excluídos do mercado formal, pela forma perversa com que o sistema é financiado. Isso é socialmente perverso”.
Ele reiterou que, independentemente do governo ou da coloração partidária, o sistema de redistribuição já “está financeiramente condenado”.
“Independentemente de quem esteja agora ou vai estar no governo, esse problema está se impondo”, disse.
Para o ministro, o sistema já “financeiramente condenado antes de a população envelhecer, não interessa quem estiver no poder, seja o governo que for”.
Tensão
O clima ficou tenso quando o ministro disse que a Previdência é uma “fábrica de desigualdades” e citou os exemplos dos estados de Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, e Minas Gerais, que já enfrentam dificuldades para pagar salários de servidores e aposentados.
Nesse momento, ele foi aparteado por parlamentares de oposição – que citaram o sistema previdenciário chileno, cuja previdência social, com sistema de capitalização (similar ao proposto por Guedes), paga benefícios pequenos. Na proposta do ministro, porém, está assegurado ao menos um salário mínimo de benefício.
O ministro, então, respondeu aos deputados de oposição: “Chile, US$ 26 mil de renda per capita, quase o dobro do Brasil. Acho que a Venezuela está bem melhor”, disse, em tom irônico.
“Eu vou falar na hora em que você falar também. Fala mais alto do que eu. Fala alto. Eu não estou ouvindo. A palavra é dos senhores”, disse.
Em seguida, porém, o ministro afirmou ter cometido o erro de responder aos deputados.
“Eu cometi um erro sério quando respondi a uma indagação de Gleisi [Hoffman, deputada e presidente do PT], mas tentei ser atencioso e respondi. Sou muito respeitoso. Os senhores têm muita familiaridade com esse ambiente, eu não. Os senhores poderiam considerar que eu posso cometer erros. Eu cometi o erro de interagir, eu só deveria ter falado. Então, eu não vou interagir”, afirmou.
Audiência longa
A reunião no colegiado teve início por volta das 14h e a expectativa é a de que se estenda por muitas horas em razão do número de parlamentares inscritos para falar.
Responsável pela área econômica do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes desistiu de ir à CCJ na semana passada em razão de o governo não ter ainda uma base aliada articulada e devido à possibilidade de ele ficar muito exposto ao ser sabatinado apenas por integrantes da oposição.
Diante da desistência de Guedes na semana passada, a oposição apresentou um requerimento de convocação do ministro, o que tornaria a sua presença obrigatória e representaria um desgaste ao governo, mas recuou após um acordo para que Guedes comparecesse nesta quarta à CCJ.
A decisão de Paulo Guedes de não ir à CCJ na terça-feira da semana passada ocorreu em meio a uma crise política entre Legislativo e Executivo, com a troca pública de farpas entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O acirramento da relação entre os dois chefes de poderes assustou os mercados, fazendo o dólar disparar e a bolsa de valores cair.
Diante do apelo de aliados, Bolsonaro e Maia deflagraram uma trégua na última quinta (28), quando o presidente da República anunciou que a crise com o deputado do DEM era “página virada”.
Tramitação
Enviada em fevereiro ao Congresso, a reforma está na primeira etapa da tramitação. Na CCJ, os deputados analisarão se a proposta do governo Jair Bolsonaro está de acordo com a Constituição.
Caberá ao relator, deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), apresentar um parecer que será votado pelo colegiado.
Se aprovada, a reforma seguirá para uma comissão especial, responsável por analisar o mérito (conteúdo) do texto. Em seguida, a proposta será votada no plenário da Câmara, onde precisará dos votos de pelo menos 308 dos 513 deputados, em dois turnos de votação.
A reforma é considerada pela equipe econômica como medida prioritária para a recuperação das contas públicas.
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