Em entrevista exclusiva à Associação dos Notários e Registradores do Brasil, a coordenadora de pesquisa do Instituto LGPD, Nuria López, fala sobre a importância da aplicabilidade da nova legislação na prestação de serviços dos cartórios e os impactos na sociedade brasileira
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei n° 13.709/2018 – foi criada com o objetivo de proteger as informações, a liberdade e a privacidade dos cidadãos. Com prazo final para implementação em agosto de 2021, os cartórios, assim como os outros órgãos e instituições do País, têm buscado compreender e se adequar aos novos procedimentos.
Para esclarecer acerca do tema, a Anoreg/BR entrevistou Nuria López, coordenadora de pesquisa do Instituto LGPD, que atua junto a entidades públicas, empresas e organizações do terceiro setor para difundir sobre a proteção de dados. López é doutora em Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócia na área de Tecnologia, Privacidade e Proteção de Dados do escritório Daniel Advogados.
Leia abaixo a entrevista completa:
Anoreg/BR – Qual a importância da implementação da LGPD para as instituições e a população?
Nuria López – O Brasil precisa de uma lei geral que esteja apta a garantir que as operações com dados pessoais sejam seguras, para atender essa demanda de mercado, decorrente da adequação de organizações (públicas e privadas) europeias. Não sem razão, a LGPD que estava há anos em tramitação no Congresso, ganha força apenas às vésperas da entrada em vigor do regulamento europeu sobre o tema (GDPR). Para as empresas, a implementação da LGPD ganha uma dimensão importante nas relações trabalhistas, notadamente nas formas de subordinação por meio de tecnologias de monitoramento, e nas relações consumeristas, já que a lei é integrada ao consolidado sistema de defesa do consumidor. Para as instituições públicas e para os órgãos notariais e de registro, como delegatários de serviço público, significa o fortalecimento das relações democráticas com o cidadão, que ganha em segurança e transparência sobre o tratamento de seus dados pessoais. Para a população brasileira, em geral, a lei impulsiona uma mudança cultural significativa. Embora os cidadãos já fossem titulares de seus dados pessoais, a lei traz isso expressamente, fundamentada na autodeterminação informativa, que é o direito de cada cidadão ter o controle sobre o fluxo de seus dados pessoais.
Anoreg/BR – O que representa ter os dados pessoais protegidos no Brasil?
Nuria López – A proteção de dados garante, na esfera privada, uma maior facilidade nas transferências internacionais de dados pessoais e, consequentemente, de negócios. Já na prestação de serviço público, reforça nosso compromisso democrático ao estabelecer parâmetros de atuação sobre os dados pessoais dos cidadãos e ao garantir seus direitos. Contudo, talvez o mais importante seja a mudança cultural impulsionada pela lei. Em uma sociedade da informação como a que vivemos, a transparência e o controle sobre nossos próprios dados pessoais repercutem profundamente em nossas vidas.
Anoreg/BR – Como será o processo de implementação da LGPD nos cartórios?
Nuria López – A LGPD é uma lei propositadamente genérica, elaborada para ter aplicabilidade transversal em todos os setores da sociedade. Cada organização deverá aplicá-la conforme seu contexto. Por isso, não há maiores dificuldades em seu processo de implementação nos cartórios. A exemplo do Provimento nº 23/2020 da Corregedoria do TJ/SP, a implementação traz algumas medidas comuns como o registro das atividades de tratamento de dados, a necessidade de elaboração de cláusulas específicas para contratação de terceiros e mesmo a indicação de um encarregado, e outras medidas ajustadas à realidade dos cartórios, como a exigência de declaração de adequação das Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados, as cautelas nas solicitações de certidões ou informações em blocos ou agrupadas, ou ainda a comunicação ao juiz corregedor permanente e à Corregedoria Geral da Justiça no caso de incidente de segurança.
Anoreg/BR – Quais são os benefícios trazidos pela legislação para a realização dos atos nos cartórios?
Nuria López – Os cartórios têm como pilar de suas atividades a publicidade registral e, com a LGPD, ganham a perspectiva da relevância de cada informação para o seu titular. Sem dúvidas, veremos uma nova forma de transparência ao titular de dados sobre as atividades dos cartórios, o que já se traduz na obrigação de criar canais de comunicação, por exemplo.
Anoreg/BR – Como a LGPD vai impactar os serviços que são ofertados de forma online?
Nuria López – Embora a LGPD não se restrinja ao meio digital, pois também é aplicável às relações nos meios físicos, o impacto no digital é maior em razão da maior capacidade de tratamento de dados pessoais. O digital permite o tratamento de um maior volume de dados pessoais e de formas de tratamento mais sofisticadas, como por meio de aplicações de inteligência artificial. Cada vez mais esses serviços estão presentes em nosso cotidiano. A LGPD estabelece parâmetros para essas atividades sob o viés do risco de impacto aos direitos e liberdades dos titulares. Podemos esperar uma melhora na transparência sobre essa prestação de serviço e mais controle ao titular de dados sobre o tratamento de seus dados pessoais.
Anoreg/BR – Quais as adequações necessárias nas equipes dos cartórios para garantir a proteção de dados?
Nuria López – Quanto às equipes, o mais importante certamente é a conscientização sobre privacidade e proteção das informações. Seja de forma ampla, ao tratar da lei e de seu contexto, como de forma concreta, ao treinar os procedimentos específicos, as medidas de segurança administrativas estabelecidas pelo cartório. Agora, os cartórios passam pelo momento de ajuste de suas atividades à LGPD, mas a conformidade deve ser uma prática diária, um valor realizado em cada ação no cartório. Só assim a conformidade ocorrerá de uma forma orgânica, intrínseca às atividades do cartório. É a conscientização que torna a lei realidade no dia a dia.
Anoreg/BR – Após agosto de 2021, aqueles que não cumprirem com a legislação poderão ser multados. Qual será a aplicabilidade para os cartórios?
Nuria López – Como os cartórios exercem delegação de serviço público, apenas não se aplicam as multas (conforme art. 24, §4º c/c 52, §3º, LGPD). As demais sanções são, em tese, aplicáveis. Contudo, há que se notar que algumas são tão severas que implicam pena de fechamento. Por isso, há uma grande expectativa sobre o papel educador da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), de criação de cultura e, sobretudo, de parâmetros em proteção de dados antes da aplicação de sanções.
Assessoria de Comunicação Anoreg/BR
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