Na primeira parte do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu criar regras para condenações da Lava-Jato, o presidente da Corte, Dias Toffoli, sugeriu como critério para anulações a defesa ter reclamado, na primeira instância, do prazo conjunto de alegações finais entre delatores e delatados. Se esse entendimento prevalecer, mais dois processos da Lava-Jato em Curitiba poderiam ser anulados. Duas outras ações já tiveram as sentenças cassadas pelo Supremo: a de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, e a do ex-executivo da Petrobras Márcio Almeida Ferreira.
O GLOBO analisou os 50 processos com sentença na Lava-Jato e encontrou quatro casos em que houve reclamação sobre o prazo comum para todos os réus proposto pelo então juiz Sergio Moro nas alegações finais. Os quatro processos têm 35 réus, mas apenas 18 não eram delatores no momento da sentença e poderiam ser, em tese, beneficiados pela anulação da decisão. O presidente Lula está entre eles, no caso do sítio de Atibaia.
A ação do ex-presidente seria a principal afetada, já que ainda não recebeu julgamento na segunda instância. O processo está no gabinete do desembargador João Pedro Gebran Neto, que já finalizou seu voto, mas precisa decidir sobre o recurso apresentado pelo do ex-presidente.
A sentença no processo do sítio foi feita pela juíza Gabriela Hardt em fevereiro deste ano e condenou, além do petista, seu advogado Roberto Teixeira, o pecuarista José Carlos Bumlai, e o sócio de Lulinha Fernando Bittar.
De delatado a delator
Na ocasião, a magistrada condenou o ex-presidente a 12 anos e 11 meses de prisão. Lula, no momento, cumpre na prisão a pena referente ao processo do tríplex do Guarujá. Como já cumpriu um sexto da pena, o Ministério Público Federal pediu à juíza de execução penal, Carolina Lebbos, a progressão para o regime semiaberto. O ex-presidente se recusa a deixar a prisão enquanto não for inocentado.
Entre os 18 réus delatados que reclamaram mais tempo para apresentar alegações finais, há dois que se tornaram delatores após a sentença. São o operador Adir Assad e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Assad, inclusive, foi o responsável por reclamar ao juiz Sergio Moro sobre o prazo comum estipulado para delatores e não delatores.
Como fechou delação anos depois, o pedido de Assad ajudaria outros réus da ação, como o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. O caso do petista tem outra especificidade. Embora tenha sido condenado nessa ação a 15 anos e três meses de prisão, Vaccari foi absolvido na segunda instância pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Nas alegações do processo, a defesa de Assad argumentou que houve cerceamento de defesa porque o prazo para resposta preliminar e para as alegações finais dos delatados deveria correr após a apresentação das mesmas peças pelos colaboradores.
Para o jurista Thiago Bottino, professor de Direito na FGV no Rio, a limitação apenas a casos em que houve questionamento na primeira instância pode abrir diferença entre réus em iguais condições apenas pela atuação distinta de seus advogados:
— O encargo do juiz, além de julgar, é conduzir o processo, no sentido de fazê-lo da forma correta. A decisão do STF não tem como destinatário o advogado, e sim o juiz. O erro que está sendo corrigido pelo Supremo é na condução do processo. Se é um erro, ele não deixa de ser erro por causa de uma reclamação ou não de advogado.
Visão similar tem o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Rafael Mafei. Segundo ele, uma alternativa melhor seria analisar, caso a caso, se um réu foi de fato prejudicado. Com isso, a decisão sobre anulação independeria do pedido ter sido feito na primeira instância.
Para o professor, seria exagero exigir que o prejuízo poderia ter sido requisitado logo na primeira instância. Segundo ele, nulidades a direitos constitucionais como ampla defesa e direito ao contraditório podem ser requisitados a qualquer momento, inclusive em recursos na segunda instância e ao Superior Tribunal de Justiça.
— Nesse caso, até mesmo o réu que pediu na primeira instância pode não ter sido prejudicado. É uma questão de aferir o quanto aquela alegação contribuiu para a condenação. O outro é um critério temporal e formal que vai deixar de fora muita gente que foi efetivamente prejudicada simplesmente porque não ocorreu a nenhuma das partes do processo, nem ao juiz, essa questão. E essa pessoa pode ter sido condenada com fartas menções a uma delação que não pode refutar — afirmou Mafei.
O Globo
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