A probabilidade que que o mundo venha a enfrentar novas pandemias no curto ou médio prazo é muito alta. E precisamos estar preparados para isso. O alerta foi feito pelo médico infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, na 2ª Conferência FAPESP 2023.
Estar preparado é combater a “pandemia da desinformação”, fabricada pelos negacionistas da ciência, e, de forma rápida e eficiente, estabelecer iniciativas como a chamada “Missão 100 Dias”, que consiste em detectar o agente infeccioso, criar uma forma de tratamento e desenvolver a respectiva vacina em pouco mais de três meses. Kallás detalhou o quanto o Butantan já avançou nesse sentido.
“O primeiro passo, fundamental para qualquer país, é ter um sistema de vigilância capaz de detectar qualquer anomalia. Para isso, ele deve definir as síndromes clínicas; rastrear os eventuais patógenos; pesquisar novos agentes; e estabelecer tendências epidemiológicas”, explicou.
Kallás acrescentou que o Butantan já possui uma estrutura capaz de fazer diagnóstico molecular e classificação genômica de SARS-CoV-2, influenza e dengue. Trata-se do Centro de Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS).
O segundo passo, segundo o epidemiologista, é criar uma forma de tratamento. A maneira mais rápida, além de rastrear os produtos já disponíveis, é por meio de anticorpos monoclonais ou pool de anticorpos com ação anti-infecciosa.
O último passo é a produção de vacinas. “O papel do Brasil no desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 é inquestionável. Os quatro produtos utilizados no país, todos eles foram feitos ou só aqui ou também aqui. Junto com alguns poucos países do mundo, foram pesquisadores brasileiros que deram as principais contribuições para trazer essas vacinas para o dia a dia. Nós vivenciamos isso intensamente nesses últimos anos”, enfatizou o infectologista.
Fatores de risco
O infectologista mencionou um conjunto de fatores gerais que contribuem para o risco de novas pandemias. São eles:
1) Aumento da população mundial e da mobilidade
“A população mundial ultrapassou, em 2022, o patamar de 8 bilhões de pessoas, com a previsão de que alcance um pico de 10,4 bilhões por volta de 2080, antes que a curva de crescimento comece a cair. Isso, por si só, aumenta o número de pessoas que podem ser suscetíveis a um agente infeccioso. Com o aumento de mobilidade proporcionado pelas viagens aéreas, é possível chegar a qualquer lugar do mundo em menos de 24 horas – o que, para um agente transmissível, constitui uma grande vantagem, porque ele vai conseguir estar presente em diferentes lugares em intervalo de tempo muito curto”, disse Kallás.
2) Crescimento do número de pessoas vivendo na fronteira da civilização com a vida selvagem
A enorme pressão demográfica e a facilidade de locomoção fazem com que os humanos invadam, cada vez mais, os hábitats selvagens. Além disso, o contato direto com os animais que vivem nessas áreas, seja pela alimentação, seja pela interação com excrementos e outros meios, coloca a humanidade à mercê de agentes patogênicos para os quais ainda não desenvolveu defesas. “Só os morcegos possuem mais de 40 mil tipos de vírus capazes de infectar os mamíferos”, informou o infectologista.
3) Avanço do número de pessoas com comorbidades e imunodeficiências primárias
Por outro lado, a extensão do tempo de vida e o aumento das chances de sobrevivência a doenças, que constituem uma grande vitória da ciência e da medicina, possibilitam que os percentuais de pessoas com comorbidades ou imunodeficiências primárias cresçam progressivamente na população.
“Esses grupos estão mais sujeitos a se infectar, abrigar mutações dos agentes infecciosos e transmiti-los para outras pessoas. No caso da Covid-19, suspeita-se que algumas das variantes ocorreram porque o vírus continuou se multiplicando por períodos muito longos em pacientes imunodeficientes, que não eram capazes de erradicá-los”, afirmou Kallás.
4) Maior ocorrência de desastres causados pela ação humana e mudanças climáticas
Tudo isso compõe um quadro favorável à ocorrência de novas pandemias. Quadro esse extremamente agravado por desastres causados pela ação humana (como as tragédias de Mariana e Brumadinho) e, mais ainda, pela crise climática.
“Situações climáticas extremas criam diversas condições de impacto na saúde humana. O extremo calor pode causar por si só problemas de saúde, mas a mudança do clima também tende a facilitar a disseminação de doenças de transmissão respiratória, hídrica ou alimentar. E a disseminação de vetores em regiões onde eles normalmente não estariam presentes. É o caso do atual surto de dengue em Santa Catarina”, exemplifica Kallás. O especialista lembra que o vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, não ocorria antes no Sul do país em função da baixa temperatura.
Nesse contexto de fatores gerais propícios a uma possível nova pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) listou agentes ou doenças como causadores prioritários:
- Covid-19;
- Febre hemorrágica da Crimeia-Congo;
- Ebola e vírus de Marburg;
- Febre de Lassa;
- Mers-CoV e SARS;
- Nipah e outras doenças henipavirais;
- Febre do Vale de Rift; zika.
- “doença X”, provocada por algum fator ainda imponderável.
Redação, com José Tadeu Arantes, da Agência FAPESP
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