O jornalista Merval Pereira, na edição desta terça-feira, 09, em O Globo, analisou que a tese do golpe foi rechaçada, porque o ‘povo chancelou o impeachment da Dilma e enterrou a narrativa do golpe’. Confira:
Narrativa renovada
Por Merval Pereira
Entre mortos e feridos, poucos se salvaram, mas entre estes o PT, paradoxalmente, é um dos que resistiram à onda bolsonarista, apesar de derrotas emblemáticas em todo o país e de ter sido confinado ao nordeste, e mesmo assim não nas capitais e grandes cidades. Além de ter elegido a maior bancada da nova Câmara, reelegeu no primeiro turno os governadores da Bahia, do Ceará e do Piauí. E governadores aliados no norte e nordeste como Renan Filho, do MDB de Alagoas; Flávio Dino do PCdoB no Maranhão; João Azevedo do PSB na Paraíba, e Paulo Câmara do PSB em Pernambuco. E está no segundo turno da eleição presidencial pelo quinto ano seguido, embora pela primeira vez em posição de desvantagem.
A bancada petista no Senado caiu de nove para seis, mas, exceto o MDB, com 12 senadores (tinha 18 antes), nenhum outro partido terá mais representantes. O PT já tem papel de destaque caso Bolsonaro confirme sua vitória no segundo turno: liderará a oposição.
Seu oposto tradicional, o PSDB, sai das urnas ferido de morte. Por sua tibieza, foi engolido pela onda conservadora que varreu o país, fez apenas a nona bancada da Câmara, quando era a terceira, mas pode ter um fôlego se eleger os governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas.
Os que se surpreenderam com o resultado das urnas não levaram em conta que o sucesso de Bolsonaro é produto de três coisas: deu voz a uma onda conservadora nos costumes; fala claramente em combate mais feroz a bandidos, fortalecendo a atuação das polícias e mexendo na Legislação; e, finalmente, o desmonte dos partidos tradicionais.
A onda de antipetismo que se formou no país tem papel complementar às duas primeiras, pois o PT está sendo associado pela maioria dos brasileiros com o que seria um abandono dos valores tradicionais e a leniência com os bandidos em nome dos Direitos Humanos.
Aconteceu a renovação na política que era desejada pela sociedade civil desde 2013, quando espontaneamente cidadãos saíram às ruas para cobrar, basicamente, melhores serviços do Estado. A democracia foi apropriada pelas pessoas em suas redes sociais. Um candidato tosco, por vezes com posições repulsivas, sem sair do hospital e de casa, ganha 50 milhões de votos sem dinheiro nem tempo de TV.
Os partidos, “donos” dos espaços político-partidários, tentaram impedir essa renovação, financiando preferencialmente os candidatos à reeleição com o Fundo Partidário, usado para o fortalecimento das cúpulas partidárias. O resultado é que na Câmara Federal teremos 47 por cento só de deputados estreantes, uma revolução que os eleitores forçaram o establishment a aceitar. Menos da metade dos deputados conseguiu se reeleger. O que não quer dizer que o nível da Câmara melhorará. Pela amostra que já temos, com até ator pornô sendo eleito, não é garantida a qualidade da representação.
Jair Bolsonaro influenciou as eleições em todos os Estados, e o eleitorado tirou vários caciques da vida pública, velhas lideranças e seus filhos não foram reeleitos, a despeito do poder político e econômico. Uma conseqüência desse desmanche dos partidos tradicionais é o fracionamento maior da Câmara, que terá 30 partidos representados, em vez dos já exagerados 25 que lá atuam.
As maiores bancadas serão do PT, com 56 deputados e PSL, que de insignificantes 8 deputados, tendo elegido apenas um em 2014, passa a ter 52, e provavelmente aumentará ainda mais com as adesões que os partidos que estão no governo recebem.
O PMDB foi o que mais perdeu cadeiras: caiu de 66 eleitos em 2014 para 34 em 2018. Esta eleição foi uma prova de vitalidade democrática do país, apesar da onda de fake news. Por fim, há o surgimento de uma consciência liberal e antipetista que surpreendeu.
O plebiscito foi não só em relação ao impeachment da Dilma, mas também em relação à prisão do Lula e à atuação da Lava-jato. Dos inúmeros significados desta eleição, um deles, por seu simbolismo, chama especial atenção: a ex-presidente Dilma teve a sua candidatura ao Senado recusada pelos eleitores mineiros, que tiraram-lhe os poderes políticos que foram mantidos por uma interpretação fajuta da Constituição avalizada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. E a advogada Janaína Paschoal, co-autora do pedido de impeachment, foi a deputada mais votada da história.
De forma clara e plebiscitária, a tese do golpe foi rechaçada. O povo chancelou o impeachment da Dilma e enterrou a narrativa do golpe.
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