A assessoria de comunicação da Vale divulgou agora a carta em que o executivo Fábio Scharvtsman pede demissão da mineradora. No texto, entregue hoje ao conselho de administração da empresa, Scharvtsman declara que deixa a presidência em benefício da continuidade dos negócios da empresa. Mas sinaliza que o afastamento pode ser “temporário”.
“É muito difícil para mim (…) retirar-me da linha de frente, ainda que temporariamente, quando o desafio mais agudo se apresenta. Mas essa frustração (…) é irrelevante quando comparada à dor que se espalha entre milhares de pessoas neste momento e deve ceder diante do valor maior de preservação dos interesses da nação que a Vale representa”, declara.
O executivo abre a carta referindo-se a Recomendação nº 11/2019, enviada ao conselho de administração da Vale e assinada por Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Polícia Federal e Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, que integram a força-tarefa que investiga a tragédia de Brumadinho. No documento, entregue ontem, eles pedem o afastamento de Scharvtsman e dos diretores executivos de ferrosos e carvão, Peter Poppinga, de planejamento, Lúcio Flávio Gallon Cavalli, e de operações do corredor sudeste, Silmar Magalhães Silva.
A Vale ainda não confirmou se os outros diretores também estão deixando a empresa. De acordo com a assessoria de comunicação da empresa, uma nota com a confirmação dos afastamentos temporários de executivos deve ser divulgada ainda na noite de hoje.
Leia abaixo a íntegra da carta de Scharvtsman
Rio de Janeiro, 2 de março de 2019.
Ao Conselho de Administração da Vale S.A.
Senhores Conselheiros,
Tenho em mãos a Recomendação nº 11/2019, dirigida a esse Conselho pelo Ministério Público Federal em conjunto com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e em atuação coordenada com a Polícia Federal e a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, da qual consta recomendação do imediato afastamento de certos diretores e empregados da Vale, incluindo o meu próprio.
Como é do pleno conhecimento desse Conselho, desde os dramáticos eventos de 25 de janeiro, venho dedicando todos os minutos de meus dias e noites, no limite máximo de minhas forças, às frentes de reação da companhia àqueles eventos, determinadas por esse Conselho e por mim mesmo, em conjunto com os demais membros da Diretoria, com absoluta priorização do atendimento às vítimas e às suas famílias, à apuração direta e à cooperação com a apuração dos fatos e à preservação das atividades da Vale, cruciais para o Estado de Minas Gerais e para o Brasil.
Como esse Conselho de Administração também não desconhece, foram desde logo adotadas pela Diretoria, sob meu comando, todas as medidas necessárias à preservação da integridade da informação disponível, para que a apuração independente dos fatos, pelas autoridades e pelo Comitê imediatamente criado por esse Conselho por proposta da Diretoria, possa ser realizada com a maior brevidade e profundidade.
Desde o momento em que ocorreu a tragédia que se abateu sobre as vítimas, suas famílias e sobre esta companhia estratégica para os interesses do país, fiz questão de atender pessoalmente a todas as demandas, da imprensa e das autoridades, sem intermediação de quem quer que fosse, de maneira a transmitir diretamente às vítimas, a suas famílias, à opinião pública, aos acionistas e a todos interlocutores da Vale, o nosso compromisso com a atuação mais adequada e de alto nível possível da companhia, no momento mais grave de sua história.
Estou absolutamente convicto de que minha atuação pessoal e a dos demais membros de nossa Diretoria, cujo afastamento é agora solicitado, foi absolutamente adequada, correta e, principalmente, fiel aos nossos valores inegociáveis de proteção à segurança das operações da companhia, e às diretrizes nesse sentido emanadas desse Conselho. Assim como estou absolutamente convicto de que a continuidade de nossa atuação continuaria a ser a maneira mais eficaz de a Vale obter e promover os melhores resultados em sua reação à tragédia. Entretanto, há momentos em nossas vidas em que é preciso sacrificar as convicções pessoais em benefício de um bem maior. E este é um desses momentos, pois minha presença no comando da Vale passou a ser percebida como inconveniente por autoridades que seguirão interagindo diuturnamente com a companhia.
É muito difícil para mim, após décadas de atuação como executivo de algumas das maiores empresas do Brasil, e tendo colhido o reconhecimento de minha dedicação e apoio aos milhares de colegas, colaboradores, acionistas e demais constituintes com quem ombreei ao longo de todos aqueles anos na tarefa de gerar empregos, riqueza, tributos e governança de primeiro nível, retirar-me da linha de frente, ainda que temporariamente, quando o desafio mais agudo se apresenta. Mas essa frustração daquilo que percebo como meu dever de dedicação integral às vítimas, a suas famílias, a todos os colaboradores da Vale e ao país, é irrelevante quando comparada à dor que se espalha entre milhares de pessoas neste momento e deve ceder diante do valor maior de preservação dos interesses da nação que a Vale representa.
Por tudo isso, ainda que com a absoluta convicção da retidão de minha conduta e do dever cumprido até aqui, e certo de que a percepção dos fatos que levou à recomendação de afastamento não corresponde absolutamente à sua realidade, tomei a decisão, nesta hora, em benefício da continuidade das operações da companhia e do apoio às vítimas e a suas famílias, de solicitar a esse Conselho, respeitosamente, que aceite o pedido de meu afastamento temporário das funções de diretor presidente da Vale.
Atenciosamente,
Fabio Schvartsman
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