Reforma atenua desigualdades
Por Mirian Leitão
A reforma da Previdência do governo Bolsonaro é a mais ampla e a mais dura já apresentada até agora no país. Tem inúmeros méritos e trata de temas difíceis. Atinge em vários pontos os que ganham mais. Não é completa, contudo. Reduz desigualdades, mas elas permanecem. O grande desafio será aprovar o projeto num Congresso ainda sem articulação, com o governo prematuramente atingido por uma crise.
Um servidor contratado antes de 2013 pode se aposentar, em alguns casos, ganhando o salário de um ministro do STF. Os militares, cujo projeto ainda não foi divulgado, manterão a integralidade e a paridade, ou seja, aposentadoria pelo último salário e os inativos têm os mesmos aumentos da ativa. Mas era assim antes. A reforma atenua as vantagens. Agora, esse funcionário para atingir o teto terá que trabalhar até 65 anos e a regra de cálculo ficou mais difícil. Os militares terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão a pagar contribuição, da qual eram isentas. Aliás, os anistiados políticos também passarão a contribuir. Mas muitos privilégios permanecem.
O ponto mais controverso é o que atinge os mais pobres: os que ganham Benefício de Prestação Continuada. São idosos ou deficientes com renda familiar per capita de 1/4 de salário mínimo. O governo antecipou o pagamento a eles, mas diminuiu o valor por algum tempo. Antes, a pessoa ao chegar aos 65 anos poderia receber o benefício de um salário mínimo. Agora esse valor será atingido só com 70 anos. Por outro lado, ele passa a receber a partir dos 60 anos um auxílio de R$ 400. Com essa medida e o fim do abono para quem ganha dois salários mínimos o governo vai economizar R$ 41,4 bilhões em quatro anos.
O secretário Rogério Marinho explicou que isso tem uma razão. O governo quer prestigiar o contribuinte. Argumentou que o trabalhador que contribui 20 anos para a Previdência acabará se aposentando com um salário mínimo e aos 65 anos, se for homem. Se o BPC não mudasse, mesmo quem não contribuiu teria o mesmo benefício.
O valor de R$ 1,1 trilhão de ganho em dez anos está sendo contestado no mercado. Mas eu conferi ontem com os técnicos que a prepararam: especialistas em cálculo atuarial fizeram em grupos separados todas as contas e chegaram ao mesmo resultado. Evidentemente, qualquer projeto é alterado no Congresso e quando isso acontecer o número pode mudar.
A reforma teve a coragem de mexer em vários vespeiros. Professores vão se aposentar com 60 anos. Antes não havia idade mínima. Mas há quem se pergunte sobre a razão de terem uma idade diferente. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos para se aposentar e terão que comprovar tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Os servidores que ganham mais pagarão uma alíquota efetiva muito maior que pode chegar à 16,5%. Esses pontos da reforma ajudam diretamente os estados. Da mesma forma que o aumento da alíquota para 14%, que será automática para quem tem déficit.
No futuro acabará a aposentadoria por tempo de contribuição que hoje está na raiz das maiores desigualdades. As aposentadorias precoces hoje são todas por este sistema e são os que ganham mais. Mas o futuro da capitalização, que sempre foi o projeto do ministro Paulo Guedes, ficou para depois. Será regulamentado por lei complementar.
O governo está desconstitucionalizando grande parte das regras. No texto da própria emenda, informa-se que mudanças futuras poderão ser feitas por lei complementar. Isso tornará mais fácil fazer alterações. A equipe não teme que isso seja uma faca de dois gumes, que seja usada também para se tornar as regras mais generosas. Segundo eles, quando é para elevar os benefícios consegue-se maioria facilmente. O difícil é ter votos para endurecer.
A reforma faz algo que não tem ganho fiscal mas ajudará enormemente o debate, que é acabar com a DRU para a seguridade e separar as contas de saúde, assistência e previdência. A mistura que há atualmente e a parcela da receita retirada pela DRU alimentam a narrativa de que o déficit não existe. A sociedade saberá agora quanto custa cada item.
A maior parte dos defeitos da reforma decorre do fato de que não é possível mexer no passado ou no presente. No país dos direitos adquiridos, as maiores desigualdades podem apenas ser atenuadas. Só no futuro se pode sonhar com mais igualdade.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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