Municipalizar o debate em torno dos refugiados venezuelanos e iniciar a elaboração de políticas públicas permanentes para o acolhimento desta população. Estes foram os principais encaminhamentos de uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (09), na Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), para tratar da temática na Capital paraibana. A propositura foi do vereador Lucas de Brito (PV) que, desde o ano passado, vem tratando do assunto no legislativo.
O parlamentar iniciou a audiência lembrando um projeto de indicação apresentado e aprovado no final do ano passado que prevê a instalação do Comitê Municipal dos Direitos dos Migrantes, Refugiados e Apátridas em João Pessoa. “Encaminhamos em forma de projeto de indicação, já que envolve a criação de um órgão e essa iniciativa precisa partir do Executivo. Já tivemos a oportunidade de debater a ideia com o prefeito e sabemos que a Prefeitura não está alheia ao que está acontecendo, mas precisa enfrentar o tema de forma mais sistemática para que as políticas públicas possam sair do papel”, destacou.
O evento contou com a participação de diversos órgãos que têm acompanhado a chegada dos refugiados à Capital e que expuseram as ações de acolhimento que têm sido executadas na cidade, bem como as dificuldades enfrentadas pelas entidades. Entre os pedidos, vagas em Creis, abrigos para venezuelanos que perderam o emprego, qualificação profissional por meio de parcerias com o Sistema S, ensino da língua portuguesa e agilidade em liberação de documentos por parte da Polícia Federal.
Abrindo as falas dos integrantes da Mesa, a professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Andrea Pacheco, lembrou que a situação dos venezuelanos é de vulnerabilidade e que vários estão no país por causa de perseguição do governo ou por perseguição iminente na Venezuela. “Por isso, alguns têm visto de migrantes e outros de refugiados, além da tribo Warao, que é um grupo nômade e que tem chegado ao estado”, relatou.
O presidente da Comissão de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Paraíba (OAB-PB), Pedro Igo, destacou alguns trabalhos que vêm sendo realizados na Paraíba para a regulamentação da cidadania dos refugiados e informou que o órgão possui um plantão para atender em casos de acolhimento urgente dessa população. Ele ainda defendeu a realização de parcerias público-privadas e destacou a sensibilidade da Câmara Municipal em abraçar a causa. “Temos visto crianças, idosos e mulheres que não passaram pela Operação Acolhida e que estão nas ruas da cidade. Essa visibilidade, nesse aspecto, é muita importante”, reforçou.
Dificuldades no acolhimento
O coordenador da Pastoral do Imigrante (entidade vinculada à Conferência dos Bispos do Brasil), Arivaldo Sezyshta, relatou o temor sobre a continuidade das ações de acolhimento aos refugiados a partir das informações de corte de recursos. “Com tristeza ouvimos que o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) terá um corte de verba e as próprias Aldeias SOS terão queda nos repasses. Os recursos da Operação Acolhida são apenas para os estados de Roraima e agora Amazonas (Manaus). O próprio ACNUR sobrevive de recursos internacionais, sem aporte do governo brasileiro”, lamentou, acrescentando que os estados e municípios que aceitam refugiados precisam custear as despesas.
Arivaldo disse também que a entidade não tem dificuldade para recolher alimentação ou vestuário, mas que é necessário uma política de implantação de recursos permanentes para o custeio, a fim de cobrir despesas como transporte e contas de água e energia. “É fundamental esse diálogo para pensar uma política pública local de modo que isso seja orçado e mensurado, para que possamos responder a esse drama que homens e mulheres estão passando”, salientou.
A mesma preocupação externou a corregedora geral da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Luiza Rosa, que destacou a necessidade de investimentos permanentes para o acolhimento aos refugiados. “Precisamos que esse Comitê que será criado tenha um foco específico com recursos assegurados”. Sobre isso, o vereador Lucas de Brito lembrou que no mês de abril começam as discussões para a elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e que em setembro tem início o debate em torno da Lei Orçamentária Anual (LOA), que definirão as áreas e os valores destinados para execução de políticas públicas.
Responsabilidade dos governos
O procurador da República na Paraíba, José Godoy, salientou a responsabilidade do governo brasileiro com os refugiados, uma vez que reconheceu a situação no país vizinho. “A partir do momento em que o Brasil reconhece a condição da Venezuela, se dispõe a receber essas pessoas”, disse. O procurador destacou que a Paraíba fez parte do programa de interiorização do governo brasileiro e, desde então, recebeu mais de 350 pessoas.
José Godoy lembrou, contudo, que a situação passou a ficar mais séria desde o início deste ano, com a chegada de grupos que não passaram pela Operação Acolhida. Além da dificuldade da comunicação, já que os grupos falam língua própria, ele relatou a necessidade de habitação. “A Prefeitura Municipal disponibilizou ajuda por meio do auxílio para moradia, mas são cerca de 50 pessoas que não conseguem se comunicar”.
Também presente ao evento, o secretário-adjunto da Habitação, André Coelho, lembrou que a pasta está acompanhando a inclusão dessas famílias e que, no caso específico dos índios, a características principal é o fato de serem um povo nômade. “O programa precisa se constituir em outra formatação, porque alguns informaram que não passariam mais do que 12 meses em João Pessoa, ou seja, isso vai na contramão daquilo que se aplica na política habitacional de João Pessoa e do Brasil”, explicou.
Já a gestora adjunta da Saúde, Ana Giovana Medeiros, disse que, desde 2019, vem acompanhando a assistência aos venezuelanos com serviços médicos e odontológicos, e destacou a dificuldade do atendimento aos membros da tribo que chegou em João Pessoa. “Eles não permitiam atendimento médico, não tomavam as vacinas, estavam sem documentação e, agora, eles possuem o cartão SUS e estão vacinados”, garantiu.
O representante da Associação Missionária Direito à Cidade (Amidac), Hilário Júnior, colocou a entidade à disposição para ajudar e a professora Maritza Ferretti reforçou que, mesmo sem tradição, a Paraíba tem se esforçado para fazer o acolhimento de modo satisfatório.
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