Em discursos e na propaganda de sua administração, o governador Ricardo Coutinho (PSB) tem dito orgulhoso que aumentou o número de leitos na Paraíba porque teria aberto diversos hospitais pelo estado, contrariando os números do Ministério da Saúde que apontam redução de 15% nos últimos anos. Uma reportagem do jornal Correio da Paraíba, edição desta sexta-feira (18), desmente a ‘ilha da fantasia’ governamental e mostra que a Paraíba vive um verdadeiro caos na saúde, com macas do SAMU retidas e transformadas em leitos improvisados nos hospitais do Estado.
Confira a reportagem:
GUERRA DAS MACAS’ DURA QUATRO ANOS E REVELA PROBLEMAS
Do outro extremo da cidade, a equipe do Samu até poderia atender ao chamado, já que um de seus veículos está parado, sem realizar qualquer ocorrência. O problema é que materiais necessários para isso, como colar cervical, maca e prancha, estão retidos no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, impossibilitando que os socorristas façam o deslocamento.
Segunda-feira, 14 de maio, 11h. O Correio da Paraíba acompanha a Unidade de Suporte Básico I (USB-I) do município de Guarabira, Brejo paraibano. Ela está parada, na entrada do Trauma de João Pessoa e já aguarda há mais de 45 minutos o retorno da sua maca, deixada no hospital após atender um motociclista acidentado. Enquanto não receber o material, a ambulância não pode retornar à cidade de origem, não conseguindo realizar qualquer atendimento até lá.
Um dos socorristas do veículo, que não quis se identificar, disse que este cenário é típico no dia a dia das equipes, seja ela do Litoral ou Brejo. “Ano passado já ficamos aqui no Trauma seis horas esperando o retorno da maca e da prancha. Em média, todo dia esperamos entre duas e três horas esse retorno. Até lá, ficamos presos, sem poder atender ninguém”, disse o enfermeiro, que saiu de Guarabira às 4h30 da manhã, mas às 11h20 ainda não tinha ideia de quando retornaria.
Enquanto a USB-I de Guarabira aguarda o retorno do seu material, uma Unidade de Suporte Básico (USB) do Samu João Pessoa chega ao Trauma com uma vítima de Acidente Vascular Cerebral (AVC), um homem de 45 anos que sofreu o derrame enquanto trabalhava. A vítima chegou ao hospital na maca do Samu, que uma hora depois ainda não tinha notícias do seu equipamento.
No relógio, o ponteiro já se aproximada da hora do almoço, mas uma das enfermeiras da USB de João Pessoa, que também espera o retorno de uma maca, não tem previsão de quando sairá do pátio do Trauma. “A gente já está acostumada com essa demora. O problema é que é muita gente, o hospital tem muita entrada de acidentado e não comporta isso tudo. Por isso ficam com as macas, porque não têm onde deixar os pacientes”.
Enquanto o material não é devolvido, as equipes se amontoam na frente e entorno da urgência do Trauma, impossibilitados de prestar novos atendimentos, explica o socorrista da USB-I de Guarabira. “A gente só pode ir embora quando o material é entregue. Corre o risco de outras equipes levarem nosso material, então a gente fica de prontidão, aguardando, já que não pode fazer atendimento”.
Constatações do CRM
Em agosto do ano passado, Após fiscalização (nº67/2017), o Conselho Regional Medicina (CRM-PB) constatou insuficiência de leitos no Trauma: na Sala Vermelha haviam seis pacientes, mas apenas três leitos. Dois estavam em macas do Samu; na Área Laranja, com capacidade para 30 pacientes, estavam 50.
O CRM-PB constatou ainda 95 retenções de macas do Corpo de Bombeiros pelo Hospital de Trauma, algumas presas no hospital por até 18 horas.
Levantamento
Documentos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), obtidos com exclusividade pelo Correio da Paraíba, mostram que desde 2014 o órgão cobra do Hospital de Trauma de João Pessoa mais organização e dinamismo na liberação do material de prestação dos primeiros-socorros. Relatórios, Termos de Compromisso, fiscalizações e denúncias já atestadas por Ministério Público da Paraíba (MPPB) e Conselho Regional de Medicina (CRM-PB).
A ‘novela’ da retenção de macas, entretanto, ainda está longe de ser encerrada. Somente este ano, entre janeiro e abril, o Ssmu já contabilizou 494 retenções no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. A coordenadora do Samu, Erika Rivenna, explica que o órgão tem tentado resolver os gargalos que têm atrapalhado a prestação do serviço na Capital paraibana, mas até então a narrativa parece longe de ter um desfecho satisfatório.
“Nós estamos tentando criar formas de resolver isso. Trabalhamos com vidas, não estamos brincando. Por isso nossas portas estão abertas para receber CRM, Ministério Público, enfim, quem queira atestar que o problema não é na nossa falta de comprometimento. Todos eles constataram o que estamos dizendo: nosso material está ficando retido, impossibilitando nossos atendimentos”, disse.
Retenção é registrada
Para materializar a ausência dos equipamentos, o Samu criou o Controle de Materiais Retidos, caderno que registra todas as retenções ocorridas no dia a dia das ambulâncias. No documento, são colocadas informações como: data, hora, materiais e hospital onde aconteceu a retenção. Em 2017, foram 3.079 macas retidas na Região Metropolitana de João Pessoa. Deste total, 87% ficaram presas no Hospital de Trauma; 9,6% no Ortotrauma de Mangabeira; e 1,6% no Edson Ramalho. Este ano, já foram 656 retenções, 75,3% (494) delas só no Hospital de Trauma de João Pessoa.
Em nota, a direção do Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto disse que todas as macas e pranchas do Samu são devolvidas em tempo hábil e reforça que não há retenção de macas na instituição.
Esclareceu ainda que em casos de pacientes graves e instáveis, o primeiro atendimento deve ocorrer nas macas das ambulâncias e pranchas, sendo estas liberadas o quanto antes, conforme protocolo de atendimento hospitalar a pacientes graves, do Ministério da Saúde.
Em abril, após denúncias do Samu, a direção do Trauma, também em nota, disse que “todas as macas do Samu são devolvidas em tempo hábil e que a unidade de saúde não pode ser responsabilizada pela falta de atendimento do Serviço Móvel”.
A direção também disse que as acusações do Samu tinham fins eleitoreiros e que não entraria naquilo que chamou de “debate requentado, que sempre tem retorno com a proximidade do período eleitoral”.
A instituição disse ainda que todas as atividades da instituição são monitoradas 24h, por circuito interno, e em nenhum momento foi verificado retenção de macas ou qualquer outro instrumento de uso externo ao Hospital.
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