A moeda brasileira entrou em uma trajetória de desalinhamento em relação aos fundamentos econômicos de longo prazo do país que supera aquilo que ocorreu durante a crise eleitoral de 2002 e representa um recorde desde a adoção do atual regime de câmbio livre, em 1999.
De acordo com cálculos do pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) Livio Ribeiro, esse descasamento representa uma depreciação de quase 40%. Ou seja, para um câmbio médio em torno de R$ 5,40, o valor sugerido pelos fundamentos estaria próximo de R$ 3,90. Em 2002, esse desalinhamento chegou a quase 30%.
“Os modelos sugerem claramente que a gente está em um momento de ‘overshooting’ cambial, ou seja, a moeda depreciou mais do que seria sugerido pelos fundamentos de longo prazo”, afirmou.
Ribeiro ao apresentar os dados durante reunião de conjuntura com cerca de 30 pesquisadores da instituição.
“É um momento comparável a 2002 e 2003, que foi o último evento de grande depreciação da moeda, ligado à percepção de risco eleitoral na eleição do presidente Lula”, disse.
Segundo o pesquisador, na época, o risco político acabava se refletindo na questão fiscal, com uma possível mudança no tripé macroeconômico. Desta vez, os fatores de incerteza também estão relacionados ao futuro da política fiscal a das contas públicas.
A relação entre a taxa de câmbio brasileira e os fundamentos econômicos foi calculada utilizando o modelo BEER (taxa de câmbio de equilíbrio comportamental, na sigla em inglês). O modelo utiliza indicadores ligados aos fundamentos de comércio internacional (termos de troca, diferencial de produtividade e comercializáveis versus não-comercializáveis), que têm se mostrado determinantes para explicar as variações do câmbio no longo prazo.
Um cálculo considerando a média de oito modelos com essas e outras variáveis (como juros, dívida, risco país e passivo externo) mostra resultados muito próximos para 2020 e também para 2002.
Segundo o pesquisador, é possível que essa diferença demore a cair. No governo Lula, a moeda só encontrou seu patamar de equilíbrio com os fundamentos em 2005.
As projeções do Ibre são de uma taxa de câmbio de R$ 5,35 em 2020 e R$ 5,55 em 2021. No cenário mais otimista traçado pelo economista, o dólar voltaria para R$ 5,30 no próximo ano. No pessimista, iria a R$ 5,80.
Também foram feitos cálculos que comparam o real com outras moedas e buscam identificar os fatores desse desalinhamento.
A moeda brasileira apresenta desde abril um comportamento descolado dos principais países emergentes, que por sua vez têm uma performance pior que os países desenvolvidos, que possuem mais espaço ferramentas para enfrentar a crise gerada pela pandemia.
“Você está começando a abrir uma diferenciação grande entre o mundo desenvolvido e o mundo emergente. O mundo desenvolvido tem mais margem de manobra, consegue lidar melhor com a crise, tem mais espaço fiscal e, mesmo que não tenha espaço fiscal, tem moeda forte, se financia em moeda doméstica. Para nosso azar, a nossa moeda descola ainda mais. Isso nos sugere que tem alguma coisa específica acontecendo com o Brasil”, afirma Ribeiro.
Ao decompor os fatores da depreciação em externos, domésticos e diferencial de juros, a conclusão é que este último teve alguma importância, mas não de modo a superar a tendência gerada pelos outros dois, em especial, as questões internas.
Segundo Ribeiro, desde o final de abril, são pouquíssimos os momentos em que fatores domésticos ajudaram no fortalecimento da moeda. Em geral, puxaram a depreciação, muitas vezes se contrapondo ao cenário externo, que em alguns momentos atuava no sentido de valores a moeda nacional.
“Essa incapacidade do Brasil de absorver uma melhora no mundo ou, colocando de outra forma, a nossa capacidade de nos atrapalharmos não é uma propriedade dos últimos dias, tem acontecido há bastante tempo. Qualquer corte que você queira usar na avaliação dos fatores domésticos e externos, consistentemente, com pouquíssimas exceções, os fatores domésticos operam na direção de depreciar a moeda”, afirmou.
FolhaPress
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