Os dez clubes que participaram da série A do campeonato paraibano de futebol na última temporada, em 2018, estão sendo investigados pela Polícia Civil e Ministério Público da Paraíba por manipulação de resultados e esquemas de corrupção. De acordo com as investigações, o Botafogo-PB, campeão do torneio estadual, foi o maior beneficiado – ou, pelo menos, aquele que mais agiu para tirar proveito.
A Operação Cartola foi desencadeada no dia 9 de abril, quando cumpriu 39 mandados de busca e apreensão nas cidades de João Pessoa, Bayeux, Cabedelo, Campina Grande e Cajazeiras. A operação investiga uma organização criminosa por falsidade ideológica e manipulação de resultados no futebol profissional da Paraíba.
A reportagem do Fantástico teve acesso aos documentos e às escutas telefônicas. Foram mais de 100 mil conversas de 115 telefones monitorados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público da Paraíba.
O vice-presidente de futebol do Botafogo-PB, Breno Morais, aparece em várias conversas tratando com José Renato Soares, o ex-presidente da Comissão de Arbitragem, mas tinha liberdade de conversar diretamente com os árbitros e assistentes. Em um dos trechos gravados pela Polícia Civil, aparece uma conversa entre Breno e José Renato, afastado do cargo no dia 20 de abril.
“Eu quero um cara (árbitro) domingo. É o seguinte: se o jogo estiver apertado, ele dá um jeito de criar oportunidade, né? Uma bola que o cara raspou a perna no meu jogador dentro da área, é pênalti. É isso que precisa. Mas para fazer só o que o time faz e depois buscar o dinheiro não dá, né, filho?”, cobrou Breno.
Esse dinheiro, de acordo com os árbitros que colaboraram com as investigações, era propina. De acordo com o depoimento de um deles, jogo “pequeno” chegava a R$ 15 mil. Semifinal ou final poderia chegar até R$ 50 mil.
Para o delegado Marcos Paulo Vilela, as escutas e os documentos apreendidos na operação já são suficientes para comprovar a corrupção no futebol paraibano. “Os torcedores, cidadãos de bem, que pensam que estão ali se divertindo, estão sendo enganados por uma verdadeira organização criminosa”, disse.
Treze x Botafogo-PB, 18 de fevereiro
O clássico em Campina Grande era muito importante para o Botafogo-PB. O time corria o risco de sair da zona de classificação caso perdesse a partida. Por isso, de acordo com a Polícia Civil, o clube agiu nos bastidores para garantir o resultado. Mesmo com a vitória, o vice-presidente do futebol botafoguense, Breno Morais, não se mostrou satisfeito e cobrou satisfação do assistente Tarcísio José, mais conhecido como Galeguinho, e que também estaria no esquema.
“Ele combinou um negócio com você e você dá um gol daquele… Aí é f… pra gente, né? É para ajudar, meu filho. Você quer entrar no time que ajuda ou quer ficar fora do time”, disse Breno Morais em conversa no telefone.
O lance em discussão é o primeiro gol do Treze, quando o Botafogo-PB vencia por 1 a 0. Diego Neves marcou, mas a bola não chegou a tocar as redes. O lance foi rápido e suscitou dúvidas entre os torcedores se a bola realmente tinha entrado. Na gravação, Tarcísio José explica por que confirmou o gol.
“Eu tinha que dar o gol. Porque a bola entrou. Um negócio que a televisão mostrou”, justificou o assistente, lembrando que a partida tinha transmissão para todo o Brasil. “Só a televisão viu. Ninguém no estádio viu”, respondeu Breno.
Numa outra ligação monitorada com Tarcísio José, logo após o jogo contra o Treze, o dirigente do Botafogo-PB fala abertamente sobre a escala da partida entre Nacional de Patos e CSP, que interessava diretamente ao Belo. “Eu posso botar você em Patos”, pergunta Breno. “Bote aí”, responde Tarcísio. “Você vai ajudar? O Nacional não pode ganhar”, frisa o vice-presidente do Botafogo-PB.
De acordo com as investigações, o Botafogo-PB conseguiu emplacar árbitro e assistente do jogo em Patos. O Nacional perdeu por 2 a 0 e teve até um gol anulado em lance polêmico. O resultado acabou sendo determinante para o Botafogo-PB terminar em segundo lugar na tabela e o Nacional teve que lutar contra o rebaixamento. Procurado pela reportagem, o assistente Tarcísio José garantiu que nunca recebeu propina de nenhum dirigente.
O sorteio dos árbitros, que sempre era gravado, dava o suporte para que não houvesse dúvidas de fraudes. No entanto, de acordo com o delegado Lucas Sá, a investigação comprova que o sorteio muitas vezes foi alvo de fraude.
Para o procurador-geral de Justiça da Paraíba, Francisco Seráphico, os crimes estão claros. “Nós temos os crimes de organização criminosa, fraude e manipulação de resultados, estelionato, falsidade ideológica e falsidade material, ameaça, lavagem de dinheiro”, detalhou.
Atlético de Cajazeiras x Sousa, 18 de fevereiro
O esquema, ainda de acordo com as investigações, funcionava há pelo menos três anos. Mas nem sempre dava certo, como aconteceu na partida entre Atlético de Cajazeiras e Sousa, também no dia 18 de fevereiro. Novamente era o Botafogo-PB o interessado no resultado, dessa vez, na vitória do time da casa – pelo mesmo motivo, uma vez que o Sousa também brigava com Nacional e Botafogo-PB pela classificação.
“Quem tem que ganhar é o Atlético. Aqui tem uma premiação de tanto para você. É assim que tem que fazer”, disse Breno ao ex-presidente da Comissão de Arbitragem, José Renato. “O cara vai apitar o jogo para fazer o time da casa ganhar. Quer mais moleza do que isso?”, completa.
No entanto, o Sousa venceu com um gol nos acréscimos. Em nova conversa gravada com Breno Morais, José Renato tentou se explicar e criticou a conduta do árbitro Antonio Umbelino, que “permitiu” o gol no final do jogo.
“Quarenta e cinco e o cabra dá cinco minutos? E o cara faz um gol com 49… É complicado”, José Renato Soares. “É falta de cuidado. Falta de gostar de receber alguma coisa, né?”, Breno concorda. “Não tem zelo pelo negócio”, finaliza José Renato.
A reportagem do Fantástico procurou Breno Morais, mas ele não atendeu os recados deixados em seu telefone e nem retornou as ligações. Em seu depoimento à Polícia, o dirigente preferiu exercer o direito de ficar em silêncio. Em nota, o Botafogo-PB disse que “preza pela ética e que ninguém pode ser condenado antes do fim de um processo”.
Além disso, são 85 pessoas investigadas pela polícia e pelo Ministério Público. Dirigentes, ex-dirigentes e árbitros. Mas, até aqui, nada indica que os jogadores tinham conhecimento de todo esse esquema. Um dos delegados à frente do caso, Lucas Sá confirma isso. “Até agora nenhum jogador demonstrou ter o conhecimento dessa manipulação de resultados ou que possa também ter atuado no sentido de favorecer ou mudar a sua postura em campo”, disse.
Fraude constatada em prova de árbitros
As investigações da polícia mostram que o esquema não se limitava apenas a manipulação de resultados no Campeonato Paraibano. Chegou até a Confederação Brasileira de Futbeol (CBF) e colocou em xeque a prova para árbitros. Outro telefonema foi monitorado, dessa vez entre José Renato Soares e o árbitro Renan Roberto de Souza. José Renato estaria de posse da prova da CBF e liga para Renan, para que ele responda às questões. Eis o diálogo.
“Corre para cá. Deu certo”, diz Renato. “Deu?”, responde Renan. “Corre para cá para a gente responde e já fazer o gabarito”, completa José Renato.
Em seguida, José Renato Soares liga para um diretor da FPF com as respostas em mão e dita todo o gabarito da prova.
Em depoimento à Polícia, José Renato Soares negou qualquer tipo de vazamento de informação sobre a prova. A reportagem também foi até a casa do ex-presidente da Comissão de Arbitragem, mas ele não respondeu às chamadas. O juiz Renan Roberto diz desconhecer a gravação.
A CBF, por sua vez, suspendeu todos os árbitros da Paraíba . Disse ainda que a prova e o gabarito foram enviados um dia antes para o instrutor que aplicou o teste e que apoia a investigação no futebol paraibano.
G1-PB
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