O Glorioso faz papel digno no Campeonato Brasileiro, mas desde que o projeto da criação da “Botafogo S/A”, plano proposto após apresentação de estudo encomendado pelos irmãos Moreira Salles, ganhou corpo e força, a ansiedade do botafoguense não é mais pelo próximo jogo. Conta, sim, as horas para chegar 2020 e ver a concretização da SPE (Sociedade de Propósito Específico).
Um dos 10 integrantes do grupo de trabalho que vêm projetando a empresa responsável por gerir o futebol alvinegro e “cardeal” dos que mais ajuda o Botafogo, Carlos Augusto Montenegro, presidente do título brasileiro de 1995, recebeu a reportagem do GloboEsporte.com em sua casa, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Esta é a primeira parte da entrevista de Carlos Augusto Montenegro ao GloboEsporte.com. Não perca ainda nesta sexta-feira a segunda parte da conversa, na qual o ex-presidente fala mais sobre a delicada situação financeira do Botafogo em 2019. O restante do papo será publicado às 18h.
Depois de contar como virou botafoguense mesmo sendo filho de um tricolor, no fim dos anos 50, e bater um papo sobre o Ibope, empresa que presidiu por quatro décadas, esmiuçou a “Botafogo S/A” em entrevista com duração superior a de uma partida de futebol.
Carlos Augusto Montenegro conversa ao lado de um tevêmetro, aparelho que mede a audiência da TV pelo Ibope — Foto: Fred Gomes
Explicou por que os Moreira Salles se afastaram do noticiário, apontou quem vai definir se serão pessoas físicas ou jurídicas os futuros investidores do Botafogo. Foi assertivo ao dizer que o projeto estará pronto para sair do papel até o final de outubro, respondeu se o Alvinegro já investirá alto em 2020 e fez um alerta aos mais tradicionais que possam ter ressalvas à criação da uma empresa que vai gerir o futebol e se separar do Botafogo de Futebol e Regatas:
– Está na hora de os clubes pararem de viver só de história. Se ficar pensando na tradição, vamos continuar sucumbindo, vivendo de passado e cada vez mais fracos. Ou você resolve, e é uma decisão séria para sobreviver e tentar disputar com dignidade, ou fica como está.
– Mas tem outra alternativa? Não tem, já ficou provado. Se alguém não estiver satisfeito com a ideia, que dê outra solução. Agora ficar falando sem trazer proposta nenhuma, não tem nada a ver.
Confira os demais tópicos abaixo:
No início do ano, o Botafogo começou a discutir a criação de uma empresa para dirigir o futebol alvinegro. Nesta semana, a questão tornou-se mais ampla e se estendeu a outros clubes. O melhor caminho é a substituição das associações sem fins lucrativos, modelo adotado por quase todos no país hoje, por sociedades anônimas ou limitadas?
Já estava na hora de parar de dizer que futebol não tem fins lucrativos. É mentirinha. Hoje estão dizendo que essa nova lei do clube-empresa, que aliás já estava na hora, é feita para ajudar o Botafogo. Talvez por causa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não é, mas na minha opinião deveria ser. O Botafogo foi o clube que mais jogadores cedeu para a Seleção, talvez aquele que mais ajudou o Brasil a ter esse nome no mundo todo.
Em segundo lugar, na década de 70, o Botafogo talvez tenha sido o único clube do Brasil que vendeu sua sede histórica de General Severiano para pagar impostos. O que chamavam naquela época de INPS. E depois não teve fôlego para honrar um contrato de retrovenda com a Vale do Rio Doce e perdeu a sede.
“O Botafogo foi mutilado, perdeu patrimônio tentando pagar impostos impagáveis. Os outros clubes não fizeram isso, continuaram devendo. O Botafogo foi exemplo na tentativa de honrar seus compromissos e cortou na própria carne. Nada mais do que justo de chamar essa lei de Botafogo, é um case. Através dela que as pessoas estão trabalhando”.
Dizem que o Botafogo talvez tenha a maior dívida. Não é, mas trata-se de um dos maiores devedores, em torno de R$ 700 milhões. Mas vários outros times estão rodando por ali. Talvez de 30% a 35% da dívida seja de curto a médio prazo. E o resto é mais a longo prazo, justamente de impostos. O Botafogo chegou a isso por vários fatores, discrepância nas cotas de televisão, problemas de gestão… A televisão já foi benéfica aos clubes, hoje não é. Por que a Premier League, que melhor paga aos clubes, paga 250 milhões de libras em cotas de TV ao Liverpool e 200 milhões de libras ao 20º colocado, que acabou de subir? Deveria haver algo mais justo, ou acabaremos com um direcionamento para um campeonato de um ou dois clubes.
Por que o Botafogo chegou ao atual quadro de asfixia financeira?
Talvez o Botafogo não tenha feito o dever de casa importante em relação à base quando deveria ter feito. Talvez o Fluminense, Vasco e Flamengo tenham tido mais êxito nessa área que o Botafogo. Talvez tenhamos ficado um pouco no passado em relação a isso, querendo que o jogador atue no clube desde os 10 anos de idade. É muito difícil isso.
Enfim… Realmente é um clube diferente, com muita gente importante que torce querendo ajudar. Já tivemos pessoas de sucesso no Brasil falando em profissionalização. Bebeto entrou, pessoa muito séria, apaixonada pelo Botafogo e não conseguiu (com a criação da Companhia Botafogo).
Montenegro tem um quadro que relembra a ida dele ao lado de amigos e filhos à semifinal da Liga dos Campeões de 2019 — Foto: Fred Gomes
Eu já fui presidente, saí em 1996 devendo quatro ou cinco meses de salários. Falamos de 25 anos atrás e o cenário é o mesmo. Não tinha nem cota de televisão. Acho que Deus me ajudou naquele mandato, meu pai faleceu na mesma época, mas consegui algo muito mais importante do que a volta à sede ou o título de 1995: o carinho de todos os botafoguenses até hoje me chamando de presidente eterno.
Não quis voltar para não perder esse título, porque certamente perderia. Mas fiz uma promessa de ajudar a todas as pessoas sérias que estivessem à frente do Botafogo porque senti na pele o que é ser presidente com dívidas e penhoras. Você pode até planejar tudo, mas ai surge uma dívida antiga e bagunça tudo. Além da carência de títulos, bons times, ídolos, faz com que a torcida não seja renovada.
Gratidão aos Moreira Salles e pedido para que finalizem o CT o quanto antes.
Alguns falam que vão entrar, contratar ídolo, ser campeão… Então faz, qual a mágica? Reparamos agora que tinha que começar do zero. Houve uma ajuda dos irmãos Moreira Salles, sou muito grato a eles. Todo botafoguense deveria ser. Eles ajudaram de todas as formas. Se eles terminarem o CT já seria o maior presente do mundo. Eles viraram alvo de uma ansiedade/esperança da torcida, achando que eles fariam milagre, transformar tudo em ouro.
Foi uma iniciativa do João e do Walter que se propuseram a ajudar e já ajudaram muito. Entregaram o estudo, com o qual vamos tentar separar o futebol do resto do clube criando uma empresa específica para isso, que pagaria royalties ao Botafogo para ir quitando a dívida ao longo do tempo. E basta isso. Se eles puderem entrar no futuro, ou não, não tem importância. Já fizeram muito. O importante agora é procurarmos possíveis investidores, o mercado está propício.
João Moreira Salles, Botafogo — Foto: Reprodução
Athlético-PR como exemplo e opinião de que esportes olímpicos não podem ser prioridade agora
“É a hora de começar a fazer um clube novo, um time de futebol novo, até como é o Athlético-PR. É um exemplo. Tem CT onde profissional e base convivem. Não tem clube, não tem sede, sauna, piscina, cloro, basquete… É futebol. Não é um fundo, mas estão de parabéns. Não à toa estão ganhando títulos. Não tem mistério. Não tem a história do Botafogo? Não. Mas está na hora dos clubes pararem de viver de história. Tem que viver de realidade”.
Esse estudo é isso. A grande vantagem é que vai tentar afastar a paixão do dia a dia. A paixão leva a contratações erradas, a ter pessoas erradas. Todos acham que podem fazer a melhor gestão do mundo. Se não tiver dinheiro, afastar as penhoras, estancar hemorragia e começar do zero, ninguém consegue. Não dá com as receitas de hoje para sobreviver e montar time bom. O dinheiro já é pouco e ainda diminui com as dívidas do passado. É preciso montar um formato diferente.
Em que pé está o projeto?
Faço parte de um grupo de trabalho com 10 pessoas. Temos que formatar um fundo e registrar na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), angariar pessoas que estejam interessadas em investir. Ao mesmo tempo criar uma empresa, Botafogo S/A, específica para tocar isso. Esse fundo – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) – será dono dessa empresa.
Obviamente vai ter um acordo para manter série de coisas, como cores, camisa, escudo, hino, etc, para preservar a tradição. Teremos que fazer um estudo para o sócio proprietário verificar de que forma ele gostará de participar do clube no futuro. Vamos continuar tendo o Botafogo social com sede, piscina, basquete, vôlei… E vai ter o Botafogo do futebol. Ele vai ser sócio de quê? A ideia é passar tudo que diz respeito ao futebol, zerado, sem hemorragia, para a nova empresa. O estádio, sócio torcedor, receita de TV, patrocínios, dívidas, orçamentos.
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