Das muitas polêmicas que povoaram a campanha de Trump para a presidência dos EUA, pelo menos uma já foi exportada para o Brasil e deverá fazer parte do jogo eleitoral em 2018.
A Cambridge Analytica, empresa pioneira no uso de psicologia comportamental com base em grandes bases de dados em campanhas políticas, está instalada em São Paulo e atua desde março.
A matriz surgiu como um braço do escritório britânico de consultoria SCL. Para atuar no Brasil, ela se juntou à Ponte Estratégia, uma empresa de marketing direcionado, para formar a CA-Ponte.
Além de Trump, a empresa atuou para outros políticos republicanos, incluindo Ted Cruz, derrotado nas primárias do partido. Também há suspeitas de que teria atuado na campanha pelo “brexit”, no Reino Unido.
A tendência conservadora na escolha de clientes não é ocasional. Um dos principais investidores da Cambridge Analytica é Robert Mercer, bilionário e doador republicano. Além disso, Steve Bannon, estrategista-chefe de Trump até agosto, fez parte do conselho administrativo da Cambridge Analytica.
A atuação no Brasil não deve ter uma coerência ideológica tão clara. Segundo o presidente do escritório local, André Torretta, a empresa está aberta a um espectro mais amplo, tanto para a direita quanto para a esquerda.
A única exceção serão candidatos extremistas. Ele justifica a posição citando um caso de um familiar torturado durante a ditadura militar.
O método da empresa é voltado para campanhas pagas nas redes sociais, que antes eram proibidas, e passaram a valer com a reforma política sancionada por Temer em outubro deste ano. Esse tipo de campanha permite que um candidato “impulsione posts”, ou seja, pague para ter mais exposição a determinados usuários.
MÉTODO TROPICAL
O Facebook permite escolher a audiência por fatores demográficos, como idade, sexo e localização e também por assuntos de interesse, com base na atividade, ou seja, naquilo que o usuário “curte” enquanto navega na plataforma. Esse tipo de direcionamento é chamado de “microtargeting”, que não é uma novidade, mas ficou muito mais preciso com as redes sociais.
Mas para ter essa precisão, é preciso conhecer muito bem sua audiência, e é nesse ponto que entram as grandes bases de dados sobre os eleitores, trunfo que a Cambridge Analytica diz possuir.
Essa base, no entanto, é formado por eleitores americanos. Para ser usado no Brasil, o modelo precisa ser alimentado com dados locais.
Mas isso não é simples. A legislação brasileira é menos permissiva que a americana com relação à venda de dados individuais de consumidores, “o que é bom para os cidadãos”, comenta Torretta, mas que na prática dificulta o marketing baseado em grandes bases de dados.
Para compensar essa deficiência, Torretta diz que está tropicalizando a metodologia, baseado na experiência que acumulou trabalhando dez anos com marketing direcionado para consumidores da classe C e, antes disso, com campanhas políticas no Brasil e no exterior, incluindo presidenciais na Bolívia, Argentina e Portugal.
Sua base está sendo construída usando principalmente dados do IBGE, do Serasa e aplicando questionários. Existem também dúvidas sobre o peso que a empresa teve sobre a vitória de Trump. De fato, a Cambridge Analytica tinha uma sala no quartel general da campanha e atuava ao lado de funcionários do Facebook, tratamento VIP dado pela rede social para um cliente que gastou milhões de dólares para eleger o presidente dos EUA.
É difícil medir o quanto a vitória se deve à empresa de dados e o quanto é consequência do investimento massivo em propaganda no Facebook.
Seja como for, políticos brasileiros já estão sondando o escritório local, que atualmente trabalha com duas pré-campanhas estaduais.
É bem provável que um candidato a presidente pague para ver o quanto a Cambridge Analytica será eficaz atuando no país.
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