A Previdência sempre será uma reforma difícil. E está condenada a ser feita e refeita. Todos os últimos quatro presidentes levaram ao Congresso propostas de mudanças. A atual reforma, cuja votação terminou nesta terça-feira, perdeu na tramitação em torno de 40% do ajuste que pretendia, mas ainda é a mais ampla já feita no Brasil. A primeira que consegue nos tirar do pequeno grupo de países que ainda não tem idade mínima de aposentadoria. A primeira que muda o INSS e a previdência dos servidores federais ao mesmo tempo.
Várias alterações atenderam aos lobbies. Uma delas protegeu os protegidos, os servidores que têm mais de 16 anos de casa, ou seja, entraram no Setor Público Federal antes da reforma do ex-presidente Lula, em 2003. Eles já têm privilégios, como o direito de se aposentar com o último salário e de receber todos os aumentos da sua categoria da ativa. O governo propôs, então, regras de transição mais duras. Esse pedágio foi suavizado na Câmara. Não faz sentido nenhum isso. Parte desse grupo tem salários que são várias vezes o teto do INSS. No último minuto, o PDT tentou mais uma vez ajudá-los, propondo tirar todos esses servidores das regras de transição da reforma. Teve o apoio de toda a esquerda. Foi derrotado.
O curioso nessa reforma foi o comportamento do presidente que a enviou. Jair Bolsonaro não articulou sua aprovação, não participou das difíceis negociações. Ele apenas a entregou ao Congresso e lavou as mãos. Se ela foi adiante foi graças a alguns dedicados integrantes da equipe econômica, às presidências da Câmara e do Senado e aos relatores. Na única vez em que atuou diretamente, ligando para pedir algo aos parlamentares, foi contra o espírito da sua própria reforma, e a favor de mais benefícios ao grupo que já tem a idade mínima mais baixa, a dos policiais federais. O senador Major Olímpio exaltou o presidente e garantiu que há unidade entre Bolsonaro e o PSL. É o oposto. A Previdência foi aprovada, a despeito de Bolsonaro, que criou conflito durante todo o tempo, inclusive com o próprio partido.
O maior dos erros da tramitação foi retirar os estados e os municípios. A discussão mostra a visão curta dos parlamentares. Como eles acham que isso poderia facilitar a vida dos governadores que fizeram oposição, ou não se mobilizaram pela reforma, decidiram retirar do texto. O problema que nos trouxe a esta penosa reforma não é federal apenas. É de todos os entes da Federação. O desequilíbrio que compromete a capacidade de o governo investir é de todo o país.
A oposição não foi capaz de atualizar seu pensamento sobre contas públicas e repetiu o mesmo clichê de sempre, de que estava defendendo os pobres e os trabalhadores. A Previdência tem dois problemas: tem rombo e é injusta. A esquerda por vocação deveria ser contra os privilégios, mas quando o assunto é a reforma da previdência ela entra nessa aguda contradição. Defende aqueles que ganham mais e se aposentam mais cedo. Alguns parlamentares da oposição pagaram um preço alto por terem votado pela reforma.
O ministro Paulo Guedes estava na mesa do Senado quando a reforma foi aprovada. Tinha o semblante de vitorioso, mas ele perdeu sua principal aposta. Guedes queria a aprovação do modelo de capitalização. E o Congresso o derrubou. A capitalização pode ser uma boa alternativa, desde que se conheçam os parâmetros. A proposta, contudo, era um cheque em branco: dava ao governo o direito de criar o modelo. O Chile que está nas ruas tem na sua lista de protestos a previdência que eles consideram injusta. A mesma que Guedes tem como modelo. A capitalização lá foi imposta aos civis por uma ditadura. Os militares chilenos criaram para si outro sistema. A proposta agora no Brasil pode até ser boa, mas terá que passar pelo crivo do Congresso. A democracia dá muito trabalho, não é perfeita, exige contínuos aperfeiçoamentos, mas é o único regime no qual vale a pena viver.
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