Jair Bolsonaro ‘vendeu’ nos últimos anos a imagem de um político ‘apolítico’, alguém absolutamente refratário ao modus operandi dos chamados políticos tradicionais, pertencentes ao que se convencionou apelidar de ‘velha política’, muito embora fizesse parte dela graças aos sucessivos mandatos parlamentares na Câmara dos Deputados. De figura caricata e do ‘baixo clero’ do parlamento nacional à Presidência da República, o ‘Capitão’, como costuma ser tratado por adeptos e devotos mais próximos, até que tentou passar a imagem de alguém disposto a romper com o legado de coisas pouco ou nada republicanas que sempre imperou a partir do poder central desde Dom João VI, mas começa a demonstrar, com gestos, atitudes e palavras, um certo fraquejamento diante de uma crise que exige equilíbrio, sensibilidade, maturidade e, acima de tudo, responsabilidade.
Nos últimos 60 dias, brasileiros e brasileiras têm acompanhado atônitos um verdadeiro ‘cabo de guerra’ travado entre duas das principais personagens de um enredo dramático para os sistemas de saúde e econômico do mundo todo. Ruídos de comunicação ou simplesmente a falta dela não poderiam e nem deveriam ser obstáculo nessa guerra contra um inimigo tão poderoso e invisível.
O que explica a mudança de um ministro altamente avaliado pela população e responsável direto por uma estratégia que até aqui vem dando resultados aos olhos de especialistas na matéria e sob o testemunho dos números? Será que o médico Luiz Henrique Mandetta errou ao estabelecer uma plataforma de trabalho para o enfrentamento da pandemia focada na comunicação à população e na articulação com os municípios e estados a partir dos pilares do SUS, quais sejam, rede (integração dos serviços interfederativos), regionalização (região de saúde) e hierarquização (níveis de complexidade dos serviços)?
Todos os questionamentos acima certamente não têm respostas e nunca serão dissecados por ninguém, muito menos pelo Presidente da República, porque foi justamente o que tinha de ser feito até aqui. Quem conhece a gestão da saúde sabe que Mandetta pode até ter cometido alguns equívocos no curso de uma crise que está longe de ir embora como apregoa em contrário Bolsonaro e os seus aliados mais caninos, mas essencialmente o grande pecado do ex-ministro da Saúde foi ter tentado ‘aparecer’ mais que o chefe.
Diferente do que fez Itamar com Fernando Henrique, que o deixou a vontade para esmiuçar em sucessivas e inesgotáveis aparições nos mais diferentes veículos de comunicação a fim de explicar o então noviço Plano Real e suas implicações na vida dos brasileiros à época, Bolsonaro não aguentou ver o seu subordinado suplantar seus rasos argumentos, conquistar a confiança das pessoas e convencer os cidadãos e cidadãs que o coronavírus não era só uma gripezinha e que cada um deveria ser protagonista de uma guerra contra um inimigo poderoso e invisível.
A saída de Henrique Mandetta do Ministério da Saúde é o atestado mais eloquente que o Presidente da República cedeu aos instintos da velha política. No mais fiel estilo ‘vão se os anéis e ficam os dedos’, Bolsonaro age como seus antecessores e cumpre a malfadada premissa do quero, posso e mando. Foi assim com Sérgio Moro, que chegou a ter relações estremecidas com o mandatário no inicio do governo, e será do mesmo jeito com os demais ministros, porque, no fim das contas, Bolsonaro pode até ser diferente em muitos aspectos dos demais políticos de Brasília, mas é igualzinho a todos eles quando o assunto é vaidade e sede de poder.
A troca de comando no Ministério da Saúde não há risco de dar certo. Posso até queimar a língua, mas o futuro ministro da Saúde, quem quer que seja, será determinante para o futuro do próprio Bolsonaro. Será altíssimo o preço que pagará pela escolha de alguém sem a devida responsabilidade ou senso de querer desfazer tudo até aqui feito somente para agradar os devotos mais fiéis.
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