A ardilosa e subterrânea tentativa de reescrever a história, transformando bandidos em heróis e heróis em bandidos, ganhou mais uma lamentável e deprimente capítulo no dia de ontem, quando, de forma monocrática e na condição de Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Felipe Salomão, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cautelarmente, deliberou pelo afastamento de magistrados que atuaram na maior e mais importante operação de combate à corrupção do Brasil, a Lava Jato. E quando tudo caminhava para terminar em trevas, com a magistratura e o universo jurídico nacional questionando as razões de tamanha injustiça, eis que o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, resolveu ‘salvar’ o que ainda resta de credibilidade no judiciário brasileiro, desfazendo o que já está sendo chamado de ‘vingança salomônica’ do sistema nefasto e corrupto desse ‘Brasil do Brasil’,
Salomão, aliado que o ministro Alexandre de Moraes, queria emplacar no STF por indicação de Lula, que o indicou ao STJ em 5 de junho de 2008, como saiu no Diário Oficial do dia 6 daquele ano, tentou afastar a juíza Gabriela Hardt, que condenou seu padrinho. A iniciativa até funcionou no primenri momento, dando munição e manchetes para setores da imprensa ligados ao Palácio Planalto detonarem a magistrada, sucessora de Moro na Lava Jato, mas, felizmente, em tempo, o CNJ formou maioria contra.
A atuação de Salomão contra Hardt não é uma novidade. Em fevereiro deste ano, o ministro bateu boca com o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso, durante uma tentativa de reacender outro processo contra a juíza, que tratava sobre o mesmo tema. Aquela ação foi proposta pelo PT. Depois de pedido de vista, o caso segue sem resolução.
Apesar de imputar tais crimes contra a juíza na decisão em que a afastou do cargo, Salomão falhou em demonstrar claramente como a simples homologação de um acordo pode ser categorizada como um caso de corrupção. Isso porque não está demonstrado na decisão quais benefícios a juíza poderia ter obtido com a assinatura do acordo. Não há provas aparentes de qualquer vantagem.
O texto também não cita eventuais benefícios que poderiam ter sido obtidos pela outra parte na mesma ação, o ex-juiz Sergio Moro. Hoje senador pelo Paraná, era ele o titular da 13ª Vara Federal, até poucos dias antes da homologação do acordo, em 2019.
O fato é que Salomão atua, assim como outros personagens da cena nacional, numa das três frentes da destruição da Lava Jato e do combate à corrupção, todas elas muito bem-sucedidas até o momento. Essas linhas do desmonte do combate à corrupção atuam na reversão das condenações e multas aplicadas pelas instâncias inferiores, a aprovação de novas leis que dificultam a repetição de operações semelhantes, e a inversão completa de papéis que transforma corruptos e corruptores em vítimas, enquanto criminaliza os agentes da lei, fazendo deles exemplos do que acontece a quem ousa combater a corrupção. Esta última fase entrou em uma nova etapa nesta segunda-feira, e envia uma mensagem: o desejo de vingança gestado por Lula e executado com a ajuda (consciente ou não) de diversos órgãos, do Judiciário ao Tribunal de Contas da União, não poupará absolutamente ninguém.
A manifestação firme do ministro Barroso no plenário do CNJ estava absolutamente fora do script traçado por Salomão e seus colegas de bancada do órgão dedicado a avaliar a condução do judiciário à luz da sua missão axiológica, a realização de justiça. Diante do absurdo, Barroso bradou em alta voz que aquilo que estava sendo perpretado era uma decisão “ilegítima, arbitrária e desnecessária.”
Neste sentido, o ministro presidente do STF enfrentou e demoliu os argumentos de Salomão em relação aos quatro afastados, mas não foi suficiente. Com placares apertados e muitos votos repletos de falácias sobre a Operação Lava Jato, os conselheiros até reverteram o afastamento de Gabriela Hardt e Danilo Pereira Junior, atual juiz da 13ª Vara de Curitiba, mas mantiveram Carlos Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima afastados. Salomão ainda insistiu para que o colegiado já votasse a possível abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra os quatro magistrados, mas Barroso manteve o pedido de vista, apesar de alguns conselheiros terem adiantado seus votos a esse respeito. A justiça foi feita de forma apenas parcial nesta terça-feira, mas nada indica que a perseguição irá arrefecer.
O ultrajante e pantonoso plano vingativo contra a Lava Jato não só atinge quem participou ativamente da maior operação de combate à corrupção do país. Essa onda de perseguições aos que ousam investigar e processar pessoas poderosas provocarão um efeito dominó e farão com que servidores públicos desistam de atuar com afinco nas investigações contra gravatudos e ratazanas do dinheiro público. E isso tudo tem um preço a ser pago, sobretudo quando a corrupção voltar a atingir níveis incontroláveis, muito maiores dos já verificados por essas bandas.
Aliás, já podemos afirmar, em tom categórico, que estamos no caminho. A Lava Jato cooperou com 49 países, foram dezenas de prisões aqui e alhures, mas só o Brasil descondenou os condenados. Em meio a esse cenário de impunidade, a certeza mais cristalina de que o crime não apenas compensa, mas recompensa os criminosos com as cabeças de seus ‘algozes’.
Discussion about this post