O jornalista Ivandro Oliveira, diretor de Conteúdo do Tá na Área, volta a opinar no portal e comenta a saída dos médicos cubanos do Mais Médicos. O programa, lançado pela então presidente Dilma Rousseff, foi duramente critica à época pelo renomado médico Dráusio Varella, que chegou a afirmar que o mesmo não resolveria os problemas do país, lembra Ivandro.
Confira:
Dilma jogou areia nos olhos dos brasileiros com Mais Médicos
Por Ivandro Oliveira
É inegável a importância do programa Mais Médicos, que, se não resolveu a crônica deficiência de profissionais médicos nas equipes de saúde da família, ao menos minorou por algum tempo, de alguma forma, o sofrimento de nossa população. Contudo, não é razoável um país com quase 500 mil médicos, cerca de 400 cursos de medicina e mais de 20 mil formandos por ano dependa do empréstimo de mão de de outro país para assistir a sua população.
A saída abrupta dos médicos cubanos do país demonstra uma fragilidade sem tamanho nesse aspecto. Ora, um país com esses números não pode depender de outro para resolver seus problemas estruturais.
Atribuir ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) a partida inesperada dos cubanos em virtude do que disse antes, durante e depois da campanha é até aceitável, parta dos críticos ou não, mas culpá-lo pela fragilidade do programa, a ponto de um país como o nosso depender da graciosidade da mão de obra alheia é, no mínimo, um despautério!
Difícil aceitar que uma área estratégica como saúde padeça de uma dependência como essa. Claro, até que se poderia chegar a um meio termo, uma espécie de transição, todavia, infelizmente, seria muito delírio acreditar em conciliação em tempos estranhos e de profundo antagonismo de pensamento e ideologia. Seria o mesmo que tentar misturar água e óleo.
A rigor, e não seria diferente, os primeiros – e talvez os únicos – a sentir os efeitos dessa relação diplomática conturbadíssima são os mais necessitados, justamente os mais vulneráveis e dependentes de um sistema de saúde cada vez mais combalido.
O Brasil, independentemente dos presumíveis efeitos danosos da saída prematura dos médicos cubanos, precisa resolver a equação da saúde, que não apenas requer dinheiro, mas, sobretudo e acima de tudo, de gestão, e isso passa por um novo desenho estratégico, que permita criar uma carreira do profissional de saúde, com valorização, atribuição de competências, distribuição equânime do médicos e dos demais especialistas, e efetividade de políticas universalistas, humanizadoras e integradoras.
Diante do diagnóstico bastante patente e por demais conhecido, o governo Bolsonaro precisa iniciar o tratamento, prescrevendo a conduta, aplicando o remédio e ajustando as dosagens, porque o paciente chamado Brasil não pode mais ser mais tratado com tanto descaso na saúde, área cuja dor muitas vezes é o primeiro sinal da morte.
Em 2013, o médico oncologista Dráusio Varella, foi o primeiro a levantar a voz contra o programa lançado com pompas e cerimônia pela então presidente Dilma Rousseff, para ser a ‘salvação da saúde no Brasil’. Na oportunidade, lembrou que seria impossível levar a sério qualquer projeto que não enfrente ao mesmo tempo os desafios da gestão e do financiamento. “Investir apenas na organização é tão insuficiente quanto alocar mais recursos para um sistema perdulário, contaminado pela corrupção e por interesses políticos da pior espécie”.
As palavras do renomado e insuspeito médico brasileiro só corroboram com o desfecho de mais um daqueles improvisos adotados pelo país tão acostumado aos remendos. Ao atribuir a responsabilidade pelo descaso com o SUS à simples falta de médicos, Dilma terminou por jogar areia nos olhos do povo, que agora começa a perceber o quanto foi enganado.
A saúde no Brasil padece de dois grandes males: falta de dinheiro e gerenciamento incompetente. Essas são as causas pelo descaso no SUS e agora é chegada a hora de atacar o problema pela raiz, sem truques, arroubos ou medidas paliativas.
Na Constituição de 1988, declaramos que saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Pois bem, após 30 anos, constatamos que 56% do investimento em saúde vêm da iniciativa privada, para cobrir os gastos dos 48 milhões de brasileiros com mais recursos. Aos 150 milhões que dependem do governo cabe menos da metade do bolo. Como consequência, esses 48 milhões de usuários dos planos de saúde têm à disposição quatro vezes mais médicos do que os 150 milhões atendidos pelo SUS.
Os números são indesmentíveis e a conta chegou. O novo governo tem um desafio enorme pela frente, mas, pelo menos até aqui, parece disposto a enfrentá-lo, nem que isso custe caro. E isso, sem dúvidas, é um bom começo.
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