Em editorial publicado na edição desta segunda-feira, 09, o jornal O Globo observa que líderes do Congresso pretendem aproveitar o habitualmente confuso processo de aprovação da lei orçamentária para elevar a mais de R$ 3 bilhões o total de recursos destinados aos partidos em 2020, ano de eleições municipais.
Para publicação, “o enredo é antigo, com desfecho invariável, mas o calendário eleitoral estimula a imaginação na direção do enriquecimento de organizações, com privilégios crescentes aos chefes da burocracia partidária no manejo de dinheiro público, sob rarefeita fiscalização e cada vez menos sanções.”
Confira, na íntegra, o editorial:
Líderes do Congresso pretendem aproveitar o habitualmente confuso processo de aprovação da lei orçamentária para elevar a mais de R$ 3 bilhões o total de recursos destinados aos partidos em 2020, ano de eleições municipais.
O enredo é antigo, com desfecho invariável, mas o calendário eleitoral estimula a imaginação na direção do enriquecimento de organizações, com privilégios crescentes aos chefes da burocracia partidária no manejo de dinheiro público, sob rarefeita fiscalização e cada vez menos sanções.
Na semana passada, a Câmara aprovou um projeto de lei, por 263 votos contra 144, com uma série de benefícios às cúpulas das três dezenas de partidos com representação no Legislativo. Há mais sete dezenas à espera de registro na Justiça.
O caso expõe uma estrutura partidária inflada, cara, sem controle, que se mostra incapaz de se reinventar depois do choque de revelações sobre sua intimidade financeira proporcionado pela Lava-Jato.
Uma das novas regalias é o uso de recursos públicos, no fundo partidário, para custear a assistência jurídica de lideranças partidárias com problemas na Justiça.
Assim, o chefe de um partido político que, eventualmente, tenha sido condenado e preso por corrupção em contratos com empresas estatais ou governos federal, estaduais e municipais, poderá ter a sua defesa judicial totalmente financiada pelo erário fraudado.
Em tese, pune-se duplamente a vítima — no caso, a sociedade. Ludibriada numa operação de corrupção, como as desveladas pela Lava-Jato, será obrigada a pagar a defesa do agente político, que deveria ser um problema privado. Pelo projeto, esses casos seriam enquadrados na rubrica de gastos “de interesse direto ou indireto” dos partidos. Hoje, despesas dessa natureza são questionadas pela Justiça Eleitoral.
É grande o volume de dinheiro anualmente destinado aos partidos. Já a fiscalização é bastante restrita, frágil e praticamente inviabilizada pelas mudanças introduzidas na legislação a cada dois anos.
Desta vez, o leque de benesses foi excessivamente ampliado, a despeito da crítica situação das finanças nacionais. O texto aprovado na Câmara permite, entre outras coisas, que os chefes das burocracias partidárias possam usar dinheiro público para compra de bens, construção ou edificação em qualquer município onde queiram instalar a sede da organização.
O projeto contraria o bom senso, para se dizer o mínimo, num país em grave crise fiscal, com mais de 12 milhões de desempregados nas ruas, um déficit público estimado em R$ 139 bilhões neste ano e uma série de investigações sobre corrupção político-partidária ainda em andamento. Espera-se que o Senado, agora, faça as correções necessárias. Seria prudente, e de interesse coletivo. Até para se evitarem novos escândalos.
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