Em 1976, o oficial na chefia da República, general Ernesto Geisel, não conseguiu convencer a oposição minoritária à ditadura que a democracia voltaria em dois anos com a primeira eleição presidencial direta desde 1960, conforme prometera. O então presidente do partido governista, deputado Francelino Pereira, piauiense com carreira política em Minas, perguntou: “Que país é este em que o povo não acredita no calendário eleitoral estabelecido pelo próprio presidente?”. Só que, em 1977, Geisel fechou o Congresso, aumentou o mandato dos presidentes para seis anos e decidiu que um terço dos senadores seria indicado pelo chefe do Executivo, criando uma das maiores indecências da história política do desde a polis de Atenas ateniense: a nódoa do senador biônico.
As ditas instituições foram humilhadas pela falsa abertura lenta e gradual do canto do cisne feio do lago fétido do frontispício do Palácio do Planalto durante a gestão de mais um general, João Batista Figueiredo. Que foi substituído por José Sarney, vice da chapa eleita de forma indireta pelo Colégio Eleitoral, encabeçada por Tancredo Neves. O primeiro eleito diretamente desde a vitória de Jânio Quadros pelo voto popular 29 anos antes, Fernando Collor, seria deposto por corrupção, em 1992. A frase serviu de mote para um inspirado sucesso de Renato Russo, líder da banda de rock Legião Urbana, gravado em 1987 e cuja letra começa assim: “Nas favelas, no Senado/sujeira pra todo lado/ninguém respeita a Constituição/mas todos acreditam no futuro da Nação”. E também para um poema genial do mineiro Afonso Romano de Sant’Anna, que deu título a uma coletânea publicada em 1990: “Este é um país de cínicos em geral/este é um país de civis e generais.”
As respostas dadas à mentira do tido como respeitabilíssimo general Geisel ainda valem integralmente para o Brasil governado por uma pretensa democracia sob José Sarney, Fernando Collor (meio mandato), Itamar Franco (meio mandato), Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos), Lula da Silva (dois mandatos), Dilma Rousseff (um mandato e meio), Michel Temer (meio mandato) e Jair Bolsonaro (quase um mandato). Mesmo não tendo o Brasil mudado muita coisa em essência, talvez seja mais exato substituir a pergunta original de Francelino por outra mais atual, exatamente por ser essencial. “Que democracia é esta?” Fala-se muito em risco de golpe na eleição, cujo segundo turno se realizou neste domingo 30. Que dúvidas remanescem nela?
Já lá se vão 34 anos da volta à eleição direta. Todos os presidentes deste período ouviram calados e não reagiram às ordens do dia em que todos os comandantes das Forças Armadas festejaram como contribuição à tal da democracia o golpe militar que dcrrubou o vice presidente constitucionalmente eleito, João Goulart, e empossado no lugar do cabeça de sua chapa, Jânio Quadros, estes sim, conforme mandava a Constituição de 1946, a mais democrática de todas. Ou seja, os militares comemoraram, ao arrepio da Constituição de 1988, uma interrupção da democracia por um golpe de Estado e armado bem sucedido. Nenhum foi preso, demitido do comando ou sequer repreendido pela real autoridade civil.
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