Um Brasil desigual, violento e triste
Por Flávia Oliveira
Um Brasil (ainda) mais desigual emergiu da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios que se debruçou sobre os rendimentos da população. Régua que mede a concentração de renda, o Índice de Gini subiu no triênio 2016-2018 o suficiente para devolver a desigualdade de renda ao nível de 2012, 0,545. Expresso em resultado que varia de zero a um, o indicador piora quando cresce; é o avesso do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Tornou-se público na mesma semana em que o Nobel de Economia foi concedido a um trio de pesquisadores dedicados a modelos de redução da pobreza, que por aqui também cresceu na recessão e não arrefeceu com os soluços de 1% ao ano do Produto Interno Bruto de 2017 para cá.
Além de mais desigual, o Brasil está mais violento. O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referente ao mesmo 2018, trouxe aumento nos registros de injúria racial (7.616, contra 6.195 um ano antes); agressão (713, contra 704) e homicídio (109, contra 99) na população LGBTI, apenas nas seis delegacias especializadas existentes; violência doméstica (263.067, contra 252.895); feminicídio (1.206, contra 1.151 em 2017). São termômetros da deterioração do convívio social, do ódio galopante.
Além de desigual e violento, o país entristeceu-se. Na pesquisa em que o Instituto Ipsos investigou o nível de felicidade em 28 nações, a proporção de brasileiros que se declaram muito felizes ou felizes despencou 12 pontos percentuais em um ano. Eram 73% em 2018, passaram a 61% este ano. “Existe uma correlação bem forte entre a confiança na economia e a percepção de felicidade. A demora na retomada impacta muito a vida e o dia a dia das pessoas”, justificou a diretora do Ipsos Sandra Pessini, em declaração à BBC Brasil no mês passado.
A literatura internacional não traça correlação direta entre desigualdade e violência. Mundo afora, a maior parte dos estudos acompanha taxas de homicídios e é ambígua. “Não é só economia. Variáveis locais também são relevantes. Um exemplo foi o Nordeste brasileiro, onde a violência cresceu muito em anos recentes de forte expansão econômica. Mas faz sentido esperar que a reversão de expectativas econômicas resvale num ambiente de mais intolerância e tensão”, avalia Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea.
É como se uma variável alimentasse outra, produzindo um ciclo indesejável de percepções negativas. A crise deteriora o mercado de trabalho e a renda, eleva a desigualdade, aumenta a frustração, desgasta a convivência, alimenta a individualidade, gera infelicidade. O ambiente político de aguda polarização e embate permanente (do Planalto à planície) em que o país mergulhou também não ajuda.
Sair desse caldo não é tarefa simples, mas o aumento da desigualdade não precisaria levar à deterioração tão aguda do bem-estar e da convivência. A desigualdade aumentou nos três últimos anos quase tão rapidamente quanto caiu no triênio anterior. Se as políticas públicas fossem calibradas para amortecer efeitos colaterais do ciclo econômico adverso, concentração de renda e pobreza não explodiriam. A renda média do 1% mais rico da população (R$ 27.744) é 34 vezes maior que os ganhos da metade mais pobre (R$ 820), um fosso.
Na mesma pesquisa, o IBGE revelou que a proporção de domicílios com acesso ao Bolsa Família caiu de 15,9% em 2012 (quando o país ainda crescia) para 13,7% no ano passado. Era desejável a ampliação da cobertura e/ou do valor repassado, de modo a amenizar as consequências da recessão. Estaríamos mais felizes.
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