A Fundação Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice Almeida (Fundac) inaugurou, na manhã desta sexta-feira (27), no Centro Educacional do Jovem (CEJ), a Biblioteca Carolina Maria de Jesus. Livros de ficção, aventura, suspense, poesia e gibis compõem as estantes do local. A biblioteca recebeu muitas doações para o acervo. A ideia vai ser expandida nas demais unidades socioeducativas na Capital.
Professores da Escola Cidadã Integral Socioeducativa Almirante Saldanha prepararam uma programação de inauguração que envolveu jovens e adolescentes para um momento de acolhida. Ao longo do dia, vários grupos de jovens e adolescentes foram recebidos com música e alguns se apresentaram no ‘Ato de Ler’. Ao desatar o laço com a fita simbólica que dividia o acesso à biblioteca, um representante de cada grupo, junto à diretora da Escola, Tatiana Pinangé, dava por inaugurado o novo espaço de leitura e reflexão. Estava assim consolidada a biblioteca já com o Clube de Leitura.
A exibição de vídeos com depoimentos de servidores e educandos, chamando os presentes para a importância do ato de ler e destacando a infinidade de títulos da literatura brasileira ao alcance de todos, foi estimulante. Os presentes também conheceram, em vídeo e encenada, a história e trajetória de vida de Carolina Maria de Jesus, uma catadora de lixo que nos idos dos anos 60 teve seu diário transformado em livro. A escolha do nome foi feita pelos internos que, antes de definir, conheceram um pouco da história dos demais ‘concorrentes’ candidatos. Pela sua trajetória de vida, Carolina Maria de Jesus, foi a escolhida entre Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna, Machado de Assis e Lima Barreto.
A programação contou também com sarau poético com declamações dos professores e de adolescentes e a encenação da professora de artes do CSE e também atriz, Fernanda Ferreira, interpretando com muita leveza e talento Carolina Maria de Jesus. Ela cantou, catou lixo, contou estórias e, travestida de Carolina Maria, falou de sonhos. Assim ela interagiu com os presentes e quis saber qual o sonho das pessoas. Quase todos revelaram seus sonhos: jogador de futebol, tatuador famoso, ser livre, sair dali, encontrar um emprego, voltar para a família, entre tantos desejos.
João (nome fictício),17 anos, natural do brejo paraibano, chegou na unidade há sete meses e com os estudos adiantados. Disse que nunca deixou de estudar e que pretende fazer o Enem porque tem certeza do que quer. “Concluir o segundo grau e prestar vestibular pra Química”, disse alegando gostar de mexer com fórmulas, estudar ciências. Foi um dos interessados em ler e já pegou por empréstimo o livro A Busca do Silêncio. Soube falar do que se tratava a narrativa e que seu estilo preferido são os livros que trazem histórias de suspense.
Para João, a biblioteca estimula a pessoa a ler. “Aqui nós aprendemos palavras novas e assim escrevemos melhor e falamos melhor”, afirmou, ressaltando que quando está lendo pensa que está dentro da história. José (nome fictício) tem 18 anos e é natural de João Pessoa. Ele garante que será outra pessoa quando sair. Não lembrou o título do livro que está lendo, mas garante que está gostando da história. Segundo José, tem aprendido muito ali e quer ser uma pessoa melhor.
Para Erika Chianca, diretora técnica do CEJ e que estava representando o diretor da unidade Wendel Lacerda, a biblioteca Carolina Maria de Jesus é um marco na história da unidade, “pois reflete o trabalho exitoso que vem numa crescente evolução, refletido nas ações protagonizadas pelos nossos jovens que a cada dia conquistam novos projetos de vida, a partir de ideais que não faziam parte dos seus cotidianos”.
“A leitura vem produzir sonhos e reflexões, fortalece a autoestima e traz expectativas de boas oportunidades, além de incentivar, motivar, educar e transformar desde o vocabulário que se amplia até a colaboração de uma formação cidadã e de pertencimento social”, disse Erika. “Fico muito feliz, grata e orgulhosa por fazer parte deste momento, colaborar com livros e incentivá-los à pratica da leitura, privilegiando um espaço digno, bonito e rico como o da nova Biblioteca que nos enche de expectativas de futuros bons leitores assíduos e até escritores”, comentou.
Tatiana Pinangé, diretora da Escola Cidadã Integral Almirante Saldanha, falou da importância dessa biblioteca para os socioeducandos como um caminho a trazer eles para a escola. “Para que eles percebam que estão fazendo parte de uma escola que é diferente de todas que eles já participaram até hoje, segundo afirmação dos mesmos”, comentou. “A biblioteca só vem a cooperar com esse modelo de escola integral socioeducativa, que é pioneira no país, e que nós estamos trazendo para eles a oportunidade da leitura em uma situação de privação de liberdade”, afirmou, destacando que muitos disseram que estão transformados por que conheceram poesias, que não conheciam.
Tatiana informou que até o final de outubro serão inauguradas as bibliotecas do CEA/JP e do CSE, também com essa mesma dedicação e essa mesma vontade de formar leitores. “Então a biblioteca da Escola Cidadã Integral Socioeducativa Almirante Saldanha é isso. Um incentivo a mais para que os meninos tornem-se, leitores”, observou.
Para a coordenadora pedagógica do CEJ, Hilka Macieira, a biblioteca apresenta um universo literário riquíssimo que, além de estimular o protagonismo juvenil dos socioeducandos, desperta o interesse, o que é muito importante nessa medida socioeducativa. “A leitura é uma ferramenta fundamental para a ressignificação de valores”, comentou. A inauguração da biblioteca contou com várias atividades como apresentação teatral, poema, contação de história e dinâmica, além de apresentação da biografia da patrona, exposição de alguns poemas e composições de Carolina. Ela lembrou também que essa ação contou também com a participação muito importante do professor Thiago Brandão, que este ano concorre ao prêmio ‘Mestre da Educação’.
Thiago Brandão, que é professor de História e padrinho da biblioteca, disse que os jovens e adolescentes chegam à unidade com uma defasagem de leitura e escrita muito grande. Então a biblioteca tem como objetivo dirimir um pouco a deficiência dessa leitura e dessa escrita, mas também ampliar a visão de mundo deles. “Então a leitura tem esse suporte de fazer com que as pessoas cada vez mais imaginem e se imaginem dentro de mundos e com isso ampliem a própria visão sobre si”, declarou.
Fernanda Ferreira, professora de Artes do Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE) e atriz interpretou Carolina Maria de Jesus, na inauguração. Ela conseguiu trazer para cena a mulher negra, catadora de lixo, que fez da sua vida um livro de histórias. “Fiquei super feliz como mulher, negra oriunda do meio popular, interpretar Carolina”, disse, ressaltando estar encantada com o legado da escritora e orgulhosa com a força dessa mulher que conseguiu, catando lixo, montar uma biblioteca na sua casa de alvenaria em uma favela e se superar.
Quem é – Carolina Maria de Jesus foi uma escritora brasileira, conhecida por seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960. Foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil. A autora viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, sustentando a si mesma e seus três filhos como catadora de papéis. Em 1958, tem seu diário publicado sob o nome Quarto de Despejo, com auxílio do jornalista Audálio Dantas. O livro fez um enorme sucesso e chegou a ser traduzido para 14 línguas. Carolina de Jesus era também compositora e poetisa. Sua obra permanece objeto de diversos estudos, tanto no Brasil quanto no exterior.
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