A estreia de Amanda Rodrigues (PT) na imprensa paraibana no figurino de pré-candidata a vice-prefeita na chapa encabeçada pelo deputado estadual Luciano Cartaxo (PT) foi em altíssimo estilo. De cara, receitou rivotril e terapia aos jornalistas Fábio Araújo e Lázaro Farias, da Correio FM, que a questionaram sobre a falta de apoio do presidente estadual do PT, Jackson Macêdo, a sua chapa na disputa pela Prefeitura de João Pessoa, e, na mesma entrevista ao Correio, na tarde desta quinta-feira (18), a esposa de Ricardo Coutinho disse que tem “orgulho da Calvário”, operação que aponta o ex-governador como chefe de uma Organização Criminosa (ORCRIM) que teria drenado recursos da saúde e educação para a corrupção, segundo a força tarefa liderada pelo Grupo de Atuação Contra o Crime Organizado (Gaaeco) do Ministério Público Estadual (MPE), e que o petista seria “o homem mais honesto na Paraíba.”
As declarações da pré-candidata a vice-prefeita na chapa encabeçada pelo deputado estadual Luciano Cartaxo (PT) não apenas chamaram atenção pelo conteúdo, mas a forma com que suas palavras foram empregadas, revelando um misto de ironia, arrogância e desfaçatez, embora não seja algo novo por essas bandas. Quando prefeito de João Pessoa e governador, o marido de Amanda chegou a atacar adversários, como prometer uma chuva de chibatas, pisa de vara, ameaças ao deputado Luiz Couto, isso durante evento do PT no Lyceu Paraibano, e tapas no “bum-bum de Luciano Agra”, este por ter disputado a convenção do PSB contra Estela Bezerra.
O discurso e comportamento assumidos por Amanda não causam espanto ao distinto público. É seu direito defender e tentar estabelecer uma nova versão dos fatos que sacudiram a Paraíba e resultaram, inlusive, na prisão do seu esposo. Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, Ricardo ou a própria Amanda, que já escreveu um livro a respeito do assunto, apareceria para tentar contar suas versões e reescrever a história.
Todavia, o que mais chama a atenção não foi o que Amanda disse, mas o que deixou de dizer, seja pela falta de questionamento ou por conveniência mesmo. Os fatos descortinados pela Operação Calvário não foram e nunca serão obra do acaso. São fruto de anos e anos de investigações, apurações, depoimentos, delações e até gravações de agentes públicos cobrando décimo terceiro de propina.
Mas o que, afinal, acontece com uma investigação dessa magnitude que não vai para frente, que a justiça não julga e nem pune exemplarmente quem eventualmente tenha praticado tais delitos contra a boa fé do povo honesto e trabalhador da Paraíba?!
Bom, para responder esse e outros questionamentos, certamente a esposa do ex-governador não seria a melhor pessoa, visto que, para Amanda, a Calvário, assim como a Lava Jato, foram resultado de Lawfare, ou, num português mais claro, manipulação de agentes da lei. Mas, diria Cazuza, as ideias de Amanda não se coadunam com os fatos, especialmente quando a percepção de impunidade no Brasil, sobretudo em relação a crimes cometidos por pessoas poderosas, é uma preocupação constante e razão maior do descrédito da sociedade em relação as instituições nacionais. Certa vez disse o apresentador Jô Soares, “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa.”
Neste sentido, não é razoável, embora legalmente amparado, que mais de uma dezena de juízes se coloque em suspeição para julgar ações contra um ex-governador sob a alegação de foro íntimo, para recusar a apreciação das acusações decorrentes de uma investigação que o apontou como líder de uma organização criminosa que desviou dinheiro das áreas da Saúde e Educação do Estado entre 2011 e 2018. No país em que processos judiciais são prescritos pela letargia do judiciário, pelos usos e abusos de recursos protelatórios, muitos com a concupiscência de instâncias superiores, e a percepção de que indivíduos com mais poder e recursos financeiros conseguem escapar das consequências legais com mais facilidade, a Operação Calvário é mais uma vítima de um sistema que passa a clara impressão de privilegiar a impunidade à justiça.
Respeito peremptoriamente o direito da esposa em defender com unhas e dentes o marido, bem como o esforço em tentar reescrever a história sob nova ótica, mas, diferentemente da pré-candidata a vice-prefeita do PT, não posso brigar contra fatos tão graves levantados pelas investigações e que resultaram num rosário de processos.
Falecida em 2021, a escritora Lya Luft é autora de uma reflexão lapidar em um dos seus escritos publicados pela revista Veja no auge da Lava Jato, operação sepultada pelo sistema corrupto que um dia ousou combater, e que assevera que “a gente precisa continuar acreditando: que vale a pena ser honesto. Que vale a pena estudar. Que vale a pena trabalhar. Que é preciso construir: a vida, o futuro, o caráter, a família, as amizades e os amores.”
O pensamento da escritora pode até parecer utópico nos dias de hoje, em que fatos são recontados e novas narrativas impostas, mas é um bálsamo para quem tem a mais absoluta certeza de estar no lado certo da história e acreditar na justiça como instrumento de garantia dos direitos fundamentais, a começar pelo fim do direito à impunidade.
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