Favorecimento às empresas de transporte público. Superfaturamento em obras do Maracanã. Acordos espúrios entre autoridades e empresários. Todas essas denúncias, vindas à tona com investigações da Lava Jato no Rio a partir de 2016, não são novas. Um levantamento exclusivo feito pelo G1 mostra que dez denúncias confirmadas pela força-tarefa já pairavam sobre o governo há 15 anos.
Todas elas foram alvo de pedidos de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), onde deputados da oposição dizem que foram “engavetadas”.
Foram solicitadas investigações sobre a crise na Saúde, quentinhas superfaturadas, desvios nos transportes, obras do Maracanã e Pan-Americano, negócios com o empresário Eike Batista e com a empreiteira Delta, viagens do ex-governador Sérgio Cabral e sobre a Fecomércio. Todas elas, transformadas, anos depois, em investigações ou denúncias do Ministério Público Federal (MPF).
Em uma das operações mais recentes da força-tarefa no Rio, o MPF aponta que os dois últimos presidentes da Casa — Jorge Picciani e Paulo Melo, ambos do MDB, antigo PMDB — formaram uma organização criminosa com Sérgio Cabral, do mesmo partido.
Parlamentares, por sua vez, afirmam que, à frente da Assembleia, eles “sentaram” sobre os pedidos de CPIs a fim de preservar o ex-governador. É a opinião de Alessandro Molon (PSB), ex-deputado estadual, por exemplo. Atualmente, ele ocupa uma cadeira no Câmara dos Deputados.
“Evidentemente, o PMDB na Alerj protegia o PMDB no Executivo. Era um grupo só. A presidência da Alerj e os órgãos da Alerj eram usados para blindar o PMDB no Executivo, que desviava dinheiro do Estado e levou o Estado do Rio à falência” , opina.
“Crise esta provocada também por essa corrupção desenfreada e muito tempo acobertada pela Alerj”, conclui Molon.
O G1 entrou em contato com o escritório de advocacia de Jorge Picciani, mas não obteve resposta. A assessoria de imprensa de Paulo Melo informou que, enquanto presidente, ele cumpriu com seus deveres.“Muitas ações, tal como a da instalação de uma CPI, por exemplo, não são única e exclusivamente de responsabilidade da presidência. Cabe, também, à Mesa Diretora decidir se dará ou não continuidade”.
Como uma CPI é criada?
- Projeto de resolução: A proposta é votada no plenário, composto por 70 deputados. A aprovação é pormaioria simples.
- Assinaturas: O requerimento é apresentado em um documento por escrito, onde os deputados devem colocar suas assinaturas. Basta que 1/3 deles (ou seja, 24 ) aprove.
Caso não haja 7 CPIs em andamento, a investigação deveria começar automaticamente. O problema, diz a oposição, é que as CPIs sequer saíam do papel.
“O que o [então presidente, hoje preso] Paulo Melo fazia era o seguinte: ele nem publicava a CPI no Diário Oficial, depois da aprovação”, diz Clarissa Garotinho (PRB).
“Havia votos suficientes, e o regimento determina a publicação no Diário Oficial confirmando que foi aprovada. Depois, são escolhidos os membros pela Mesa Diretora e marcada a primeira reunião. Mas como a publicação não acontecia, não começava”, relembra a ex-deputada estadual.
‘Jogo dos sete erros’
Em nota, a Alerj diz que cabe ao presidente avaliar se todos os requisitos foram preenchidos para publicar. No caso da CPI do Maracanã, diz, já havia 7 CPIs em processo de instalação. A oposição rebate e afirma que comissões menos polêmicas foram publicadas às pressas.
“Outro caso ocorrido no atual mandato foi o pedido de CPI sobre a Saúde, protocolado como projeto de resolução e por requerimento em fevereiro de 2016. Na ocasião, a presidência entendeu que o objeto não estava devidamente caracterizado, além de já estar ocorrendo ao mesmo tempo uma auditoria na saúde feita pelas comissões de Tributação e Orçamento da Casa”, diz a Alerj.
Uma artimanha utilizada pelos governistas, segundo deputados ouvidos pelo G1, é semelhante a um “jogo dos sete erros”. Funciona assim: as assinaturas são recolhidas diante da pressão pública em meio aos escândalos políticos. No dia seguinte, as rubricas são apagadas com corretor líquido até que o número de assinaturas seja insuficiente.
Recentemente, a Justiça derrubou este método. Na CPI dos Transportes, iniciada em 2018, o pedido obteve assinaturas suficientes, mas seis deputados voltaram atrás e rasuraram seus nomes. O Tribunal de Justiça, no entanto, entendeu que a retirada de assinaturas era ilegal. O G1 pediu posicionamento aos seis parlamentares em questão, mas obteve resposta apenas de um: Zaqueu Teixeira (PSD).
“A retirada da assinatura da CPI dos Transportes, à época, foi intempestiva, mas na sequência a Justiça a validou, o que significa que se eu não fosse um dos que assinaram a CPI, ela não estaria instalada e em pleno funcionamento. Como disse na ocasião, acredito que a CPI seja excelente instrumento para apurar irregularidades quando não há qualquer procedimento investigativo em curso, mas a Justiça já estava agindo, havia apreensões de documentos e equipamentos, já havia presos e as ações investigativas estavam em curso e havia denunciados, então a CPI não faria melhor que isso”, justificou Zaqueu.
G1
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