Notas fiscais que totalizam R$ 30 mil em viagens de jatinho em apenas um mês. Hospedagens em flats de luxo aos fins de semana. Refeições que ficam bem acima do valor médio pago por um almoço no Brasil – com a conta passando de R$ 1.000. Esses são alguns dos reembolsos solicitados pelos senadores em 2017. Os gastos com a cota parlamentar somam R$ 26.633.775,04.
Foram apresentadas 26.964 notas fiscais referentes a despesas no ano passado. O prazo final para o lançamento dos pedidos de reembolso foi 31 de março deste ano. As despesas são feitas não só pelos senadores, mas também por servidores lotados em seus gabinetes.
Transparência
A análise do G1 foi possível porque os dados dos gastos estão disponíveis na seção de transparência e dados abertos, no site do Senado. A Casa não diz, porém, se usa alguma tecnologia para analisar e auditar os documentos. São, em média, mais de 2 mil notas fiscais por mês.
O desenvolvedor e sociólogo Eduardo Cuducos, um dos fundadores da Operação Serenata de Amor, projeto financiado por internautas que se entusiasmaram com a ideia de monitorar os gastos da cota parlamentar na Câmara dos Deputados, diz que um dos motivos de a iniciativa não ter sido ampliada para o Senado é a ausência das imagens das notas fiscais.
Ele afirma que, com o arquivo da nota fiscal, é possível verificar exatamente o que foi comprado com o dinheiro público, bem como o horário exato da emissão do documento. Assim, acrescenta Cuducos, dá para cruzar e identificar casos em que o deputado está em uma votação na mesma hora da compra do item. No Senado, isso não é possível.
O programa de computador robô da Serenata de Amor, batizado de Rosie, costuma mencionar os deputados no Twitter e questionar os reembolsos solicitados pelos parlamentares. O projeto já tem casos de deputados que, ao perceberem o erro, devolveram o dinheiro ressarcido. Não há algo semelhante para o Senado.
O Senado afirma que “a documentação é arquivada na sua forma física, não havendo uma prévia etapa de digitalização das notas fiscais”. “O posterior desarquivamento e a digitalização de todo o material solicitado importaria excessivo ônus às atividades do mencionado serviço”, afirma o órgão.
O Senado ressalta, no entanto, que “já recusou notas fiscais por diversas razões: documento ilegível, com rasura, não original, ausência de identificação do usuário ou quando apresenta despesa cuja natureza é vedada pela norma”.
Questionado, o Senado não informa ao G1, porém, como funciona o controle interno e quais os métodos de monitoramento dos gastos pela cota parlamentar. Segundo a assessoria de imprensa da Casa, a área responsável pela cota parlamentar é o Serviço de Gestão da Secretaria de Finanças, Orçamento e Contabilidade do Senado Federal. Na unidade, trabalham oito pessoas.
O cientista de dados Leonardo Sales diz que as áreas de controle interno tanto da Câmara como do Senado costumam ser reativas, e não proativas. “Eu acho que elas sofrem interferência política e não têm muita ‘perna’ para exercer a função de controle, não têm autonomia”, afirma. Em um trabalho feito na Câmara, por exemplo, ele identificou que 20% dos deputados federais receberam doação de empresa à qual dizeram pagamento pela cota parlamentar.
Em 7 de outubro deste ano, os eleitores de cada estado e do Distrito Federal vão escolher dois nomes de candidatos ao Senado, já que dois terços da Casa será renovada. O mandato de senador é de oito anos, e os suplentes são definidos na composição da chapa eleitoral.
Segundo o Senado, para a despesa ser ressarcida, tudo precisa estar em acordo com o regimento do Senado e com os atos da Comissão Diretora. O G1 faz uma análise desses gastos e mostra quais são os senadores que mais gastaram e quais se destacam em cada tipo de uso.
Limite da cota por UF
Cada senador tem um limite de gastos, fixado de acordo com o estado pelo qual se elegeu. Dependendo do estado, o valor mensal máximo para reembolso ultrapassa R$ 44 mil por senador. No ano, esse montante pode chegar a cerca de R$ 500 mil. Esse é o limite anual para os senadores de Amazonas, Amapá e Sergipe, por exemplo.
O valor da cota é definido de acordo com o preço da tarifa aérea cobrada entre Brasília e a capital do estado pelo qual o senador foi eleito. O piso da cota parlamentar é R$ 21.045,20, valor máximo que cada senador do Distrito Federal ou de Goiás pode gastar por mês. No ano, esse montante chega a R$ 252.542,40.
Cota parlamentar
Unidade federativa | Valor máximo por mês |
Amazonas | R$ 44.276,60 |
Amapá | R$ 42.855,20 |
Sergipe | R$ 41.844,45 |
Roraima | R$ 40.724,45 |
Pará | R$ 40.426,20 |
Acre | R$ 38.854,45 |
Piauí | R$ 38.834,45 |
Ceará | R$ 38.186,60 |
Maranhão | R$ 37.396,60 |
Pernambuco | R$ 36.266,60 |
Rio Grande do Norte | R$ 35.976,20 |
Rio Grande do Sul | R$ 35.886,60 |
Paraíba | R$ 35.555,20 |
Bahia | R$ 35.416,20 |
Alagoas | R$ 35.056,20 |
Mato Grosso | R$ 34.934,45 |
Rondônia | R$ 34.615,20 |
Espírito Santo | R$ 33.176,60 |
Mato Grosso do Sul | R$ 32.905,20 |
Santa Catarina | R$ 32.871,32 |
Paraná | R$ 32.586,60 |
Rio de Janeiro | R$ 31.816,20 |
São Paulo | R$ 30.226,20 |
Minas Gerais | R$ 28.496,20 |
Tocantins | R$ 25.215,20 |
Distrito Federal | R$ 21.045,20 |
Goiás | R$ 21.045,20 |
Essa verba pode ser usada para pagar transporte, alimentação, publicidade, consultorias, aluguel de escritório no estado do senador, serviços de segurança, entre outros. O reembolso do valor ocorre até cinco dias úteis depois da apresentação da nota. O prazo para solicitar o ressarcimento é 31 de março do ano seguinte ao da emissão do documento. Isso significa que os senadores podem levar meses para pedir o reembolso.
Maiores reembolsos
A nota com o valor mais alto apresentada em 2017 é do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). O documento registra gastos de R$ 270 mil com serviços de divulgação parlamentar prestados pela empresa Start Print Comunicação Visual Eireli. O pedido de reembolso foi apresentado em dezembro de 2017.
Em nota, o chefe de gabinete do senador, Paulo Boudens, diz que o dinheiro pagou a impressão de 70 mil revistas de divulgação da atividade parlamentar. Segundo o texto, a publicação aborda todo o trabalho de Davi Alcolumbre em 2017.
“O Amapá tem cerca de 800 mil habitantes e 16 municípios. Com a publicação, aliás, já de praxe nos últimos seis anos, 10% dela [da população] terá informação mais depurada e personalizada sobre as atividades exercidas, inclusive as de interesse de cada município beneficiado”, diz o texto.
Também em dezembro os senadores Hélio José (PROS-DF) e Sérgio Petecão (PSD-AC) tiveram notas fiscais de valores altos por divulgação parlamentar. O senador do DF teve gastos de R$ 76,2 mil com a Ficxar Comunicacao Eirelli – ME. O dono da empresa, Glenio Rodrigues Tiba, é filiado ao PSDB do Distrito Federal desde agosto de 2013.
Já o senador do Acre apresentou duas notas fiscais de serviços prestados pela empresa Reis Grafica e Comercio de Etiquetas Eireli ME. Elas registram os valores de R$ 74,1 mil e R$ 68,4 mil.
Em nota, a assessoria de imprensa do senador Sérgio Petecão (PSD-AC) diz que as notas fiscais se referem à produção e à impressão de informativo para a divulgação de atividade parlamentar. Ainda segundo o texto, o material é produzido uma vez ao ano para prestar contas sobre o trabalho realizado no ano.
A assessoria do senador Hélio José (PROS-DF) não quis se pronunciar.
Entre os senadores que exerceram o mandato em 2017, apenas dois não registraram gastos com cota parlamentar: Eunício Oliveira (MDB-CE), que ocupou a presidência da Casa, e Reguffe (sem partido-DF).
Campeões em reembolsos
Os senadores campeões em reembolsos em 2017 foram, em ordem: Davi Alcolumbre (DEM-AP), João Capiberibe (PSB-AP) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Logo em seguida aparecem Eduardo Braga (MDB-AM), Romero Jucá (MDB-RR) e Omar Aziz (PSD-AM). Os gastos anuais de cada um variaram de R$ 480.859,80 a R$ 512.645,05.
Os três senadores do Amazonas (estado que tem o maior limite) estão, portanto, no topo dos que mais pedem reembolso ao Senado com base na cota para o exercício parlamentar.
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