Em um governo de “superministros”, quem tem mais poderes é uma espécie de sombra do presidente eleito. O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, de 71 anos, foi um dos principais incentivadores da candidatura Jair Bolsonaro (PSL). Primeiro tentou que o seu partido, o PRP, aceitasse lançá-lo como vice. Não conseguiu. Desligou-se das atividades partidárias e passou a coordenar uma equipe de técnicos responsável por elaborar o programa de Governo. Paralelamente, organizava carreatas em Brasília em apoio ao então candidato e discutia estratégias de segurança com policiais federais depois que ele levou uma facada, em setembro.
Com a vitória nas urnas, deixou de ser um simples conselheiro. Primeiro, foi alçado a futuro ministro da Defesa. Todavia, como o presidente o queria mais próximo, aceitou uma espécie de promoção para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – órgão responsável por fomentar toda atividade de inteligência do Governo federal. Desde então, sempre que Bolsonaro vai tomar uma decisão importante, um dos primeiros a ser consultado é Heleno. Opina sobre tudo, desde que seja perguntado. É o principal estrategista do Governo.
“O presidente toma doses cavalares de Heleno, todos os dias. Nada de doses homeopáticas. Ele quer absorver tudo o que pode do general”, disse um membro da equipe de transição. Não por menos, o general é visto antes das 8h no apartamento funcional do presidente eleito, ou o acompanhando nos mais diversos encontros, seja ele uma reunião com embaixadores, um evento com governadores eleitos ou uma audiência formal com atual presidente, Michel Temer (MDB).
E sobre o que tanto fala com o presidente eleito? “São conversas sigilosas, profissionais, entre pessoas que se confiam. São trocas de ideias constantes”, afirma ele ao EL PAÍS.
Conforme membros da equipe de transição, frequentemente Heleno diz para Bolsonaro ter calma. Pede para ele se tranquilizar quando tem de tomar decisões relacionadas ao Itamaraty, à Defesa, aos médicos cubanos, à segurança pública.
Sobre o trato com o Congresso Nacional, prefere que o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) opine. Quando falam de economia, ele pede, principalmente, para que não haja contingenciamento de recursos das Forças Armadas e joga o restante no colo de Paulo Guedes (futuro “superministro” da Economia). Já na pasta do outro “superministro”, Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, ele dá opiniões, mas diz confiar plenamente no futuro colega de Esplanada. Em privado, contudo, segue falando com Bolsonaro.
Ao contrário de seu chefe, o general costuma ser cordial com a imprensa. Raramente perde a paciência com jornalistas, nem quando insistem em perguntar sobre temas que ele não está disposto a falar. Na última semana, quando notou que um batalhão de repórteres o aguardava após um dos eventos, disse aos risos: “Pô, parece que vocês se reproduzem por partenogênese”. Ao perceber que três desses jornalistas eram de um mesmo grupo de comunicação, voltou a fazer piada: “Está sobrando gente no jornal, heim! Que bom”.
Quando atendeu por telefone a reportagem do EL PAÍS, afirmou, em tom simpático: “Não tenho nada para acrescentar. Tudo já foi dito. Agora não é mais campanha. Cada um tem um cantinho para cuidar”. Ainda assim, teceu breves comentários sobre várias áreas da gestão.
Sobre sua ida para o GSI, Heleno afirma que não teve como rejeitar o convite de Bolsonaro. “O presidente conversou comigo para que eu ficasse próximo a ele. E eu no ministério da Defesa não fico próximo, nem física nem funcionalmente. Aí, eu concordei com o seu pedido”. No GSI, Heleno comandará a força-tarefa de inteligência, estrutura criada pelo Governo Temer que dá poderes aos militares.
Inicialmente, o general usaria de sua experiência como comandante das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e de chefe da região amazônica para comandar as três Forças Armadas. Ele é visto como uma referência entre os militares. E, mesmo não sendo mais o chefe oficial deles, manifesta-se sobre o tema. Bolsonaro disse que foi de Heleno a sugestão para que indicasse o general Fernando Azevedo e Silva para a Defesa. Algo que o próprio Heleno contemporiza. “A Defesa é uma decisão pessoal do Bolsonaro. O general Fernando é amigo dele há muito tempo”.
E sobre o fato de ter mais um representante do Exército no primeiro escalão, em detrimento de nomes da Marinha ou da Aeronáuttica? “É uma bobagem. É absolutamente compreensível que até hoje tenha sido um civil. Se bem que alguns deles só foram provocações. Mas é lógico que o entendimento entre nós, das três forças, é muito sadio e muito vasto”, diz Heleno.
Quando indagado sobre a escolha do diplomata trumpista Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores, Heleno elogia. E bota a definição na fatura de seu chefe. Ainda que o próprio general e o escritor Olavo de Carvalho tenham sido consultados. Independentemente de qualquer crédito dado a ele e negado por ele, algo é certo: quase nada será decidido por Bolsonaro antes de uma consulta rápida ao seu estrategista-chefe, que ficará instalado em um gabinete a uma escadaria de distância.
Discussion about this post