Em duas das decisões mais graves da história do Conselho Nacional de Justiça, o corregedor Luís Felipe Salomão afastou cautelarmente das funções quatro magistrados federais que julgaram processos da Lava Jato. As decisões foram tomadas em procedimentos administrativos abertos contra a juíza Gabriela Hardt e três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), considerados algozes de quem foi implicado na Lava Jato, a começar pelo lulopetismo.
O corregedor disse que os quatro cometeram irregularidades graves. Resolveu afastá-los dos cargos monocraticamente, antes mesmo da abertura de processos formais contra eles, os chamados PADs. Pelo regimento do CNJ, o afastamento deveria dar-se somente após a abertura desses processos e mediante deliberação do plenário do Conselho. Nesse caso, chama a atenção o fato de que Salomão afastou os quatro magistrados um dia antes da reunião do colegiado em que os conselheiros discutirão essas medidas.
A gravidade das decisões de Salomão não se reflete nos elementos apresentados em seus despachos. Uma leitura atenta deles torna difícil entender o que, precisamente, a juíza e os desembargadores fizeram para justificar medidas tão severas.
Oficialmente, Salomão afastou Hardt em virtude da atuação dela para homologar um acordo entre a Petrobras e o Ministério Público Federal em 2019, no qual a estatal se comprometeu a pagar 682 milhões de dólares para financiar a criação de uma fundação de combate à corrupção no Brasil. O dinheiro adveio do acordo de cooperação que a Petrobras firmou com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em razão das fraudes e dos prejuízos descobertos pela Lava Jato.
O acordo, que é alvo de uma reclamação do PT, também contra Hardt, foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal apenas dois meses após a celebração dele. Provocados pela própria Procuradoria-Geral da República, os ministros consideraram o acordo ilegal. Entre as razões da Suprema Corte está o fato de que não houve a participação do Ministério da Justiça nas negociações. A reclamação do PT começou a ser julgada neste ano e foi alvo até de discussões entre Salomão e o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso. Passados dois meses, ainda não há resolução.
No processo que determinou o afastamento, Salomão estipulou que Hardt cometeu uma série de crimes no período em que substituiu Sergio Moro nas funções. Entre eles, estão peculato e até corrupção passiva. A decisão, porém, não expõe elementos mínimos para alicerçar essa suspeita. O ex-magistrado e hoje senador também é alvo da representação, mas, como deixou o cargo, não deve receber qualquer punição neste momento.
O procedimento contra os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lens, Loraci Flores de Lima e o juiz Danilo Pereira Júnior começou por provocação do ministro Dias Toffoli. O ministro disse a Salomão que os três descumpriram determinações dele para suspender dois processos envolvendo Rodrigo Tacla Duran, acusado de ser doleiro e operador da Odebrecht. Toffoli, por sua vez, foi provocado por Tacla Duran.
Não fica claro, seja pelo relato de Toffoli, seja pela decisão de Salomão, de que maneira, exatamente, os três descumpriram a ordem do Supremo. Ademais, o corregedor usa argumentos genéricos para decidir que eles precisam ser afastados imediatamente das funções.
Formalmente, a decisão de afastamento dos três se dá em função da ordem de suspeição contra o juiz federal Eduardo Fernando Appio, que havia assumido as funções da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde correm as ações da Lava Jato. Era ele que assinava como “Lul22” no sistema da Justiça. Segundo Salomão, o trio, ao afastar Appio, descumpriu indiretamente e de propósito a ordem que suspendia os dois processos contra Tacla Duran. Não se explica de que modo esse afastamento de Appio violou especificamente a ordem de Toffoli.
O afastamento dos quatro pode não ser definitivo. Na terça-feira (16), o Conselho Nacional de Justiça irá se reunir para avaliar a decisão de Salomão e as eventuais punições aos magistrados. No caso específico de Sergio Moro, que também consta no procedimento de Hardt, a situação dele será analisada apenas quanto ao mérito, pois não haveria pena administrativa a ser aplicada ao senador.
O TRF4 informou que iria cumprir a decisão e afastar os magistrados. O advogado Nefi Cordeiro, que representa Gabriela Hardt e Loraci Flores de Lima foi procurado, mas não respondeu. A Justiça Federal em Curitiba afirmou que não irá se manifestar. O Bastidor não conseguiu contato com os demais alvos da decisão.
Em nota, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que figura como parte interessada em ambos os processos, afirmou que recebeu com surpresa a decisão de afastamento dos quatro magistrados. “Sublinhe-se, por fundamental, que os magistrados e magistrada afastados pela decisão monocrática acima referida possuem conduta ilibada e décadas de bons serviços prestados à magistratura nacional, sem qualquer mácula nos seus currículos, sendo absolutamente desarrazoados os seus afastamentos das funções jurisdicionais”, afirmou a entidade.
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