Adversário de Ricardo Coutinho (PSB) na peleja eleitoral de 2014, o hoje ex-senador Cássio Cunha Lima (PSDB) foi cassado, em 2007, numa meteórica sessão do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), com base numa ação de investigação judicial eleitoral ajuizada à época pelo PCdoB, por abuso de poder político e econômico por meio de um programa assistencial mantido pela Fundação Ação Comunitária (FAC) e que distribuiu cerca de R$ 3,5 milhões a 35 mil beneficiários. De natureza idêntica da que cassou o tucano, o detalhe é a que pode tornar Coutinho inelegível, já que não mais será possível a cassação em virtude da morosidade processual, a julgar pelos valores, é infinitamente mais letal e comprometedora.
Enquanto que o custo do Empreender, programa de microcrédito usado e abusado por Ricardo para favorecê-lo no pleito de 2014, segundo parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE), saltou de R$ 16 milhões para R$ 31 milhões no ano eleitoral, o programa que cassou Cássio era de apenas R$ 3,7 milhões. Na prática, isso quer dizer que o TRE que cassou Cássio Cunha Lima, em 2007, por uso irregular de um programa que entregou benefícios financeiros de menos de R$ 4 milhões, é o mesmo que julgará Ricardo Coutinho pelo abuso de nada menos que R$ 31 milhões, valor oito vezes maior.
O relatório mostra ainda que no ano pré-eleitoral houve uma ‘economia’. Ou seja, o governo de Ricardo Coutinho já previa um gasto maior no ano eleitoral, 2014, e começou a fazer um ‘caixa’.
Vale lembrar que o ex-governador Cássio Cunha Lima foi cassado por um programa que distribui R$ 3,7 milhões em cheques no ano eleitoral. Ou seja, abuso de poder político e econômico e a conduta vedada na execução do programa o Empreender-PB teve um potencial de influenciar no pleito bem maior que os cheques da FAC.
No total, o Empreender beneficiou 21 mil pessoas físicas, sendo a maioria dos empréstimos concedidos sem o mínimo critério de seleção, como revelam depoimentos colhidos pelo Ministério Público:
Edileuda Leandro Vieira Nogueira (ff. 5.332/5.334 do Anexo 23– Carta Precatória 37ª ZE): “(…) se já obteve algum empréstimo voltado a incentivar o exercício de atividade comercial/empresarial (dados do empréstimo e da atividade 148/217 comercial/empresarial que se pretendia ou que foi desenvolvida): sim, empréstimo no programa Empreender, foi-lhe orientado dizer que queria vender roupas como ‘sacoleira’, nunca utilizou o dinheiro para empreender, e sim para ‘ajeitar’ a casa do irmão e do pai da depoente.”
Josefa Fernandes de Santana Dantas (ff. 3.146/3.148 do Anexo 14 – Carta Precatória 37ª ZE): “(…) se já obteve algum empréstimo voltado a incentivar o exercício de atividade comercial/empresarial (dados do empréstimo e da atividade comercial/empresarial que se pretendia ou que foi desenvolvida): sim, empréstimo no programa Empreender, foi-lhe orientado dizer que queria vender roupas como ‘sacoleira’, nunca utilizou o dinheiro para empreender, e sim para ‘ajeitar’ a casa do sítio.”
Ivone Gomes Diniz (Carta Precatória 34ª ZE): “(…) que ficou sabendo do empréstimo por uma pessoa que foi a casa da depoente oferecer, que realmente não lembra o nome dessa pessoa, que essa pessoa convidou a depoente para ir até uma reunião do empreender (…) que todavia, uma conhecida, cujo nome não lembra, pediu para a depoente pegar esse empréstimo e repassar para ela, porque ela iria pagar, que a depoente confiou e pegou o
empréstimo do empreender em seu nome para repassar para essa conhecida.”
Geane Costa Alves (ff. 2.273/2.275 do Anexo 10 – Carta Precatória – 34ª ZE): “(…) que recebeu um empréstimo do Programa Empreender do estado da Paraíba, há uns dois meses aproximadamente; que pegou esse empréstimo para pagar umas dívidas que tinha; que estava devendo farmácia e outras contas; que seu filho pequeno estava doente e a depoente tinha uma conta muito alta na farmácia, por isso pegou o dinheiro (…) que ‘Rita’ disse a depoente que esse dinheiro do governo podia ajudar a depoente com suas dívidas e que várias pessoas de Manaíra estavam pegando esse dinheiro”.
Laudijane Alcântara Cândido (ff. 2.949/2.952 do Anexo 13 – 149/217 Carta Precatória 23ª ZE): “(…) que em junho deste ano (2014) obteve um empréstimo dessa natureza, pois vendia produtos da AVON em casa, mas utilizou o dinheiro para terminar de pagar sua casa. (…) que não foi dada qualquer orientação ou treinamento específico para ajudar no desenvolvimento da atividade comercial/empresarial desejada, bem como na forma de aplicar os recursos (…) que na verdade fez o empréstimo dizendo que comercializaria frango e queijo e produtos da AVON.”
Pricila Maria do Nascimento (ff. 3.101/3.103 do Anexo 14 – Carta Precatória 34ª ZE): “(…) que seu empréstimo foi de R$ 2.000,00 (dois mil Reais) (…) que pegou esse dinheiro para comprar roupas em Caruaru e negociar, mas tem que ser sincera com a Justiça; que não usou esse dinheiro para comprar roupas, mas na reforma da sua casinha, que pensou que como iria pagar ao governo de todo jeito poderia usar como quisesse.”
Edivânia da Silva Matias (ff. 5.669/5.670 do Anexo 24 – Carta Precatória – 57ª Zona Eleitoral): “(…) que nunca pagou nenhuma prestação de tal empréstimo, nem sabe o valor nem o período, que em maio, quando tirou o empréstimo, estava grávida do filho caçula, atualmente com um mês, e o companheiro ficou desempregado, então utilizou todo o dinheiro do empréstimo para comprar guarda-roupa e gêneros alimentícios; que nunca pagou
nenhuma prestação referente a tal empréstimo; que quando foi sacar o dinheiro estava acompanhada de sua irmã, que gastou todo o dinheiro e não investiu no negócio, usando o dinheiro para comprar “as coisas que faltavam para dentro de casa”, que ainda não chegou nenhum carnê na sua casa para pagamento, nem a declarante foi atrás de saber como fazer para pagar as prestações (…) nunca se escondeu para pagar as prestações, que já estava
estranhando a demora na chegada do carnê de pagamento, mas também não procurou para obter maiores esclarecimentos”
O parecer pela cassação do ex-governador Ricardo Coutinho ressalta que:
“(…) provas colacionadas aos autos, em especial as auditorias e a perícia realizadas, demonstram
que de fato não havia controle na distribuição de recursos no âmbito do programa em foco.
Mas isso não é só. Na realidade, os elementos produzidos demonstram não apenas a inobservância dos requisitos necessários para a seleção dos beneficiários e acompanhamento dos empréstimos concedidos, mas o significativo incremento de despesas e do número de beneficiários no ano de 2014, de modo a revelar que o objetivo da
ação superou a questão do fomento ao empreendedorismo – meta formal do Programa – para
alcançar o propósito de obter dividendos eleitorais.
Com efeito, esse quadro de ausência de mecanismos de controle em todas as fases norteadoras do programa de fomento ao microempreendedorismo, somado ao expressivo acréscimo de beneficiários e de despesas no ano eleitoral, revela que o então candidato à reeleição adotou um comportamento voltado ao pleito.”
Mesmo já fora do mandato, a ação deve ser julgada e, se for condenado, o ex-governador poderá ser punido com a inelegibilidade por oito anos, conforme estabelece a Lei da Ficha Limpa. Conforme perícia realizada nesta Aije, no ano de 2014 houve um aumento de 91,18% na concessão de empréstimos pelo Empreender-PB, em relação a 2013, porque os créditos liberados pelo programas foram de R$ 15 milhões, em 2013, para R$ 32 milhões no segundo semestre de 2014. Confira: AIJE-do-Empreender-parecer-do-MPF
Ação iniciada em 2014
O advogado Harrison Targino, que atuou na coordenação jurídica da coligação ‘A Vontade do Povo’, liderada pelo então senador Cássio Cunha Lima (PSDB) e derrotada por Coutinho naquele pleito eleitoral, disse que espera um desfecho justo para o caso, ressaltou a robustez do parecer do MPE e destacou que a ação já tramita há quase cinco anos. “É o mais antigo processo na Justiça Eleitoral, extremamente complexo, mas que certamente teria cassado o mandato do então governador Ricardo Coutinho e decretar sua inelegibilidade, contudo, infelizmente, a primeira punição não será mais aplicada, restando apenas a sua inelegibilidade”, destacou.
Com informações de Politika.com.br
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